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O Mal Não Existe: Ryusuke Hamaguchi invade o terreno do sombrio sem ser sensacionalista

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Podemos dizer qual o futuro do cinema, mesmo que seja um bastante específico como o japonês? Neste momento, não creio. O Japão teve um 2023 extraordinário do ponto de vista de realização pessoal, interna e externa. Conseguiu dois campeões de bilheteria locais que reverberaram mundo afora, um gerado por um veterano (O Menino e a Garça, de Hayao Myiazaki) e um outro encabeçado pelo máximo em juventude (Godzilla Minus One, de Takashi Yamazaki), aliás, ambos saíram da festa do Oscar com um troféu cada. Além disso, Dias Perfeitos conseguiu sua indicação na categoria internacional e deu a seu protagonista, Koji Yakusho, um reconhecimento global. Além disso tudo, seu prodígio mais estelar, Ryusuke Hamaguchi, lançou seu novo filme no Festival de Veneza, de onde saiu com o segundo lugar da competição com O Mal Não Existe, que estreia essa semana.

Para quem não ligou o nome a pessoa, Hamaguchi acabou de levar um Oscar para casa (além de indicações a filme e direção) por seu Drive my Car, e esse é seu novo filme. Os já conhecidos amantes do cineasta – que também nos encantou com Roda do DestinoAsako I & II e outros – não ficarão decepcionados com sua nova produção e devem estar prontos para uma provável nova indicação do diretor por ele. Que esteja em compasso menos ambicioso aqui, provavelmente em momento de entressafra emocional e profissional, ainda assim seu petardo que revela-se filhote de um movimento de suspense quase esquecido é uma obra que carrega a perturbação de seu cineasta para conflitos um pouco menos exigentes. 

Ao contrário de seus filmes recentes, que centravam suas narrativas em relações humanas e seus conflitos, contradições e descobertas, O Mal Não Existe faz parte de um sub gênero do thriller, pouco conhecido em sua definição, que seria o suspense (ou terror, dependendo da intensidade) ecológico. Títulos como Fim dos Tempos ou Movimentos Noturnos trataram sobre esse lugar, que aqui tem uma construção baseada no cinema de fluxo, ou ‘slow cinema’ – esse sim, uma vertente que Hamaguchi passeia com tranquilidade. Com uma atmosfera que privilegia a relação do Homem com a Natureza, cuja base está mais centrada nos elementos naturais que no humano, o filme equilibra estranheza de tom com uma normalidade que desafia as convenções do espectador. 

Habituados com o cinema estadunidense, que educou o espectador com uma métrica observacional onde cada ação resulta em reação imediata, e um tratamento frontal de sua narrativa, é provável que a relação com O Mal Não Existe seja de atrito, seja qual for a leitura. De um lado, a plateia mais tradicional cobrando da obra um fruição mais direta; do outro, o público que já conhece o cineasta, e a partir disso não consegue absorver o aparente cotidiano empregado pelo projeto. Se existe algo que aparenta constantemente estar fora do lugar, esse mesmo ponto de desordem é capaz de ser convertido em fascínio, caso o abraço ao que está sendo mostrado for integral. 

Na trama, uma pequena vila incrustada nas montanhas que vive do turismo local consciente é informada sobre o interesse em sua área de um conglomerado do setor de resorts, que intenciona transformar o espaço em campo de visitação indiscriminada. Hamaguchi poderia lidar com essa premissa de diversas formas, incluindo as que já tem apresentado recentemente, envolvendo uma maneira naturalista de abordar tais temas. O que vemos é um mergulho sutil no artifício, inicialmente rasgando a narrativa dramática com tons de humor ácido que buscam o constrangimento, invadindo o terreno do sombrio aos poucos, sem jamais permitir qualquer visão explícita ou sensacionalista. É um olhar de sugestão que leva o espectador a um estado de desconfiança ininterrupta, acerca de tudo que vemos. 

O resultado é um filme surpreendente, ao que estaríamos esperando do cineasta após um grupo de filmes bem aceitos e bem sucedidos. Há uma clara motivação do cineasta em não se repetir, e não entregar o que se espera de uma obra sua. É, certamente, uma maneira cortante de lidar com a consagração, negando o que lhe formou. No caso de O Mal Não Existe, o estranhamento inicial agrega valores inesperados no que o cinema japonês tem ambicionado, cartilhas que parecem mais enquadradas. Hamaguchi sai da zona de conforto que o público poderia querer configurá-lo, para realizar uma produção que “parece importante” e solene, mas que não precisa de uma investigação muito séria para entender que o movimento aqui era da casa da experimentação de linguagem, ainda que apresentada dentro do dogmas tidos banais. Do resultado entre a conexão de tantos elementos sem encaixes aparentes é que o cineasta entrega um filme cheio de curvas acentuadas e nervuras agudas. 

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