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Presença transmuta a performance de artistas visuais

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 A primeira vista, Presença teria tudo para propiciar uma atmosfera impenetrável, para bloquear a presença do espectador e submergir em um universo particular de procura restrita. Nada disso acontece a quem se permite deixar levar pela sedução que exala do campo das imagens capturadas para esse filme que acaba de vencer o Festival de Vitória. O feito não é simples: capixaba, o filme é a primeira produção local a vencer o tradicional evento em seus trinta e um anos de história. Quando nos permitimos tocar a essência do que é visto, é ainda mais complexo imaginar que o filme conseguiu a rara combinação de vitórias entre júri oficial e popular, o que demonstra mais uma vez seu caráter aglutinador. 

No entanto, não estamos falando de uma produção qualquer, com ou sem prêmios. Presença é um documentário que percorre por entre as curvas de três personagens que não se cruzam. Marcus Vinícius, Rubiane Maia e Castiel Vitorino Brasileiro são artistas visuais de performance corporal, cada qual com uma pesquisa a respeito dos próprios arranjos, que esses sim se esbarram em definições e desejos. De muitas formas, são pessoas periféricas, pela negritude, pelo deslocamento geográfico, pelo aspecto ‘queer’, pela maneira como colocam o próprio corpo a serviço do que desenvolvem artisticamente. Parte de seus corpos a busca pela comunicação com o resto do mundo, com suas ancestralidades, com o que lhes compõem e com suas reflexões. 

A arte de Marcus, Rubiane e Castiel encontram reflexo em um quarto profissional em cena, e que merece tanto desvelo quanto eles: Erly Vieira Jr., o autor por trás de Presença. Através da sensibilidade e do recorte que ele consegue fazer a respeito de três sujeitos que poderiam falar pelo triplo de tempo do que o filme entrega, o cineasta demonstra verdadeira compreensão pelo que filma, e não estamos falando de situações prosaicas. Ao ter contato com as obras mutantes vistas em cena, que promovem estranhamento e fascínio sempre, Vieira Jr. soube encarar a difícil tarefa de emoldurar tais retratos; graças à sua pesquisa a respeito de corporalidade, o trabalho que surge aqui ganha traços de invenção. 

E se a base da criação da produção é verdadeiramente o trabalho artesanal que o trio constroi para comunicar-se através do gesto, do impulso e da transmutação muitas vezes, quem modula cada cena é seu diretor. É ele quem amplifica as falas de cada um ao somatizar a elas imagens que complementam os discursos, muitas vezes de criação conjunta, mas que ele promove a acertada dimensão de suas potencialidades. Más línguas poderiam chamar Presença de instalação, ou de um trabalho performático presencial; tais pessoas não estão conectadas com o lugar que o cinema brasileiro têm entregue nos últimos anos. Alguns diretores, ao mirar suas lentes para um trabalho onde a base artística se constitui de maneira menos cartesiana, onde o corpo humano tenha papel basilar, estão criando uma onda cheia de frescor. 

Juliana Curi (de Uýra: A Retomada da Floresta), Rafhael Barbosa e Werner Salles (de Cavalo), Anderson Bardot (de Inabitáveis) e tantos outros realizadores estão em busca da conexão das imagens ao trabalho que estão filmando, procurando um amálgama. Vieira Jr. é um integrante desse grupo de ousadia exemplar, que não viu saída para a própria filmografia a não ser enfrentar os moinhos do circuito exibidor para explorar com coragem suas inflexões de olhar. Presença prepara o futuro do nosso cinema para um encontro que pode se dar em uma lógica sensorial, onde as palavras de ordem de seus artistas traduzam não apenas sua intelectualidade e profundidade, mas igualmente sua arte. Ou um encontro ainda mais disruptivo, como os de Luisa Marques e Darks Miranda (de Lambada Estranha) ou o sopro de inventividade que vem de Victor Di Marco e Márcio Picoli (de O que Pode um Corpo? Zagêro); não vejo a hora de reencontrar cada um deles. 

Vieira Jr. insere seus arautos do pensamento corporal em um cenário que pode indicar tragédias contemporâneas verdadeiras, ou uma relação mais orgânica com os materiais de origem animal, ou não. No quadro geral, as figuras que eles imprimem são fundamentos de um novo pensamento que questiona os lugares do corpo disfuncional de muitas origens. Ao colocar em cada imagem projetada uma série de questionamentos pessoais, o diretor mostra, com sua mise-en-scene, que adentra os lugares de pesquisa de seu elenco com ainda mais propriedade. Presença é um trabalho coletivo cuja vanguarda está na valorização de um material que muitas vezes é vilipendiado, mas que é essencialmente a base da criação, humana ou divina. Em cena, se faz valer as regras que habitam em cada corpo. 

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