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“Três Mulheres Altas” depura a ironia de Edward Albee

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Fiel à ideia deu que “bons escritores definem a realidade e os maus apenas a reafirmam” e alerta ao fato de o tempo ser uma máquina de fazer monstros, Edward Albee (1928-2016) criou uma estética irônica para flagrar as fragilidades que rondam as aparências nas relações sociais. Textos já encenados aqui como “Who’s Afraid of Virginia Woolf?” (1962), “The Zoo Story” (1959) e sobretudo “The Goat, or Who Is Sylvia?” (2000) atestam sua fina habilidade de desnudar hipocrisias nas trocas interpessoais. Num momento de entressafra de sua criação, quando suas peças pareciam não ecoar tanto quanto os sucessos de juventude, ele arriscou um exercício de exorcismo de sua relação com a mãe, chamado “Three Tall Women” (“Três Mulheres Altas” em português), de 1991. Esse estudo sobre a inabilidade do (auto) perdão se converteu em um de seus maiores êxitos. Ganhou até o prestigiado Prêmio Pulitzer, em 1994, por sua excelência no paralelo entre a lembrança e a incerteza.

Encenada pela primeira vez no Brasil, em 1995, a peça volta ao circuito carioca pelas mãos de Fernando Philbert, com um trio de estrelas em estado de graça e plena afinação: Fernanda Nobre, Deborah Evelyn e Suely Franco. A direção entende à perfeição a dimensão irônica do cogito albeeiano e extrai um misto de humor e perversão de situações ásperas, num apolíneo (e assertivo) cenário de Natália Lana.

No ato um, A. (Suely, regurgitando cada verbo com delicadeza), uma senhora nonagenária, padece da erosão de sua memória e de sua saúde física. Ela está em seu quarto diante de uma cuidadora, B. (Deborah, sempre reflexiva, numa destreza feroz), e de uma representante de um escritório de advocacia, C. (Fernanda, intempestiva na medida certa). A. fala de si ora com prazer, ora com arrependimento, rememorando frações de um pretérito imperfeito, mas movimentado onde casou-se com um homem rico e teve lá suas sofreguidões em nas escolhas que tomou. O ato dois é uma imersão no imaginário alquebrado de A., no qual B. e C. (que têm 52 anos e 26 anos, respectivamente) são projeções de tempos passados, que a confrontam em busca de respostas do que foram ou do que serão.

Uma guerra se forma entre essas três instâncias cronológicas que batalham para preservar um lugar ao sol da lucidez, antes do esquecimento definitivo. Cobranças, farpas trocas, fúrias e sazonais graças estruturam o combate escrito por Albee e traduzido por Gustavo Pinheiro numa escolha vocabular que favorece a comicidade e implode o que seguranças aparentes.

Num dado momento, A. tem contas a acertar com alguém que rejeitou. Essa rejeição é o estopim de uma autocrítica dolorosa que enreda a plateia na dinâmica cênica de Philbert, reverente à palavra e a força libertária que ela deflagra, potencializada pela iluminação dionisíaca de Vilmar Olos.

P.S: Merece destaque o caprichado programa feito para o espetáculo, que funciona como uma aula de História do Teatro centrado nos feitos de Albee e sua relevância para a cena. É uma peça de coleção como já não se faz mais em nossos palcos.

Saiba mais sobre a peça!

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