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Longlegs ambiciona um rasgo na monotonia da rotina em filmes sobre serial killers

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Raramente eu, enquanto cinéfilo, jornalista ou crítico de cinema, entro em hype de expectativa – tanto a positiva quanto a negativa. Isso me faz um ser complexo, que admirou Deadpool & Wolverine (ao contrário dos colegas), que se decepcionou muito com Tipos de Gentileza (ao contrário da cinefilia), que fez as pazes com Ken Loach mesmo que ele esteja fazendo mais uma vez o mesmo filme quando eu vinha reclamando exatamente disso, com O Último Pub. Em alguns momentos, no entanto, é preciso reconhecer que o coletivo pode sim apontar uma unanimidade que te faça mergulhar de uma outra forma na experiência cinematográfica como um todo. Dito isso, como é bom que as pessoas estejam finalmente identificando o Oz Perkins como o realizador especial que ele é, e o responsável por isso é Longlegs – Vínculo Mortal

Longlegs

Perkins, como o sobrenome indica, é filho do lendário Anthony Perkins, o Norman Bates original do clássico Psicose. Sua infância foi marcada pelo estigma de seu pai, o que gerou muitos bloqueios em seu diretor, que acabou migrando para a realização após muito anos atuando. Em seus longas anteriores, o diretor de Maria e João já tinha mostrado sua capacidade fora do comum para habitar atmosferas diferentes do que o gênero tem passeado. Em Longlegs – Vínculo Mortal, ele se aventura em reler grandes referências do thriller com uma assinatura absolutamente única. Porque, acima de tudo, o que seu novo filme prova é como estamos lidando com alguém que tem absoluta consciência de espaço cinematográfico, e do que pode realizar quando explora por completo seu campo de pesquisa estética. 

Sua leitura espacial, e a forma como investiga as convenções tradicionais, até desencaixá-las de uma forma óbvia, é uma constante em seu trabalho. Longlegs – Vínculo Mortal finalmente torna suas habilidades de domínio coletivo, quando sua apresentação não se ancora no artifício, por isso Jonathan Demme e David Fincher aparecem como nomes linkados. Assim como no trabalho desses outros mestres, Perkins invade o terreno do naturalismo dentro de um cinema que é facilmente associado ao fantástico, e sua ideia é arrancar realismo dentro de um lugar onde outro cineasta abraçaria o efeito. Sua obsessão é em carregar o espectador para um instante de realismo dentro de uma lógica de horror tão próxima a qualquer um. 

Todo o detalhamento estético de Longlegs ambiciona um rasgo na monotonia da rotina de seus personagens. A agente especial Lee Harker vivida por Maika Monroe está inserida nesse contexto de caçada a um serial killer, mas também tem problemas de comunicação com a mãe, e um resguardo fora do comum com a conexão interpessoal. A atriz, em sua brilhante interpretação, guarda as costuras dramáticas de um projeto que impressiona pela forma anti-didática com que tenta aproximar espectador e obra. Nada em cena é costurado de maneira tradicional, mas o filme se encarrega de criar uma narrativa visual que vá além da mensagem que o trabalho do diretor de fotografia exercita – e estamos falando de um trabalho excepcional. 

Talvez a presença de Nicolas Cage apreenda um tanto de rachadura nessa imagem perfeita de construção de normalidade, dentro do campo visual. O que o vencedor do Oscar de melhor ator por Despedida em Las Vegas estabelece, com sua performance, é um outro patamar de frequência, estabelecendo um novo padrão. Entrando de imediato a um escopo de onde já estão Anthony Hopkins, Kathy Bates, Lupita Nyong’o, Linda Blair, Jack Nicholson, Robert Englund e tantos outros, como o próprio pai do diretor, Cage é a imagem da reinvenção, em cena. Um ator que não vem economizando esforços para mostrar-se constantemente atual e relevante, e que não será mais esquecido após seu Longlegs. 

Uma coisa que também contribui para o estado do público de interação para com a obra, é com o quanto de perturbação um material de audiovisual é capaz de atingir, e estamos diante de uma produção rara. Ao escolher não relacionar-se com ‘jump scares’ gratuitos que banalizassem a obra, Perkins transforma Longlegs em um trabalho que vá além do medo vazio e imediato. O que lhe interessa é provocar desconforto e um crescente mal estar, tal como acontece na cena onde Harker e seu parceiro chegam para investigar uma casa suspeita. Não há formalismo que suplante o estado que o filme coloca o espectador a partir dessa cena, e que vai enredando todos os personagens e situações do filme. 

É como se tudo o que Perkins utiliza para enquadrar seus personagens, ao escalar Monroe sempre de maneira centralizada, ao procurar a desolação dos lugares vazios, e em como filma a solidão geográfica daquele tempo, aumentasse a carga de desespero que o filme apresenta. Não é um simples caso de filme realizado com esmero profundo, mas que cada elemento cênico, cada enquadramento preciso, também contassem a história, ou fizesse melhor que qualquer verbalização poderia conseguir. São por esses motivos que Longlegs é mais um exemplar do cinema de gênero do ano (se é que podemos considerá-lo dentro das demandas do mesmo) a reafirmar o quanto 2024 é especial a tais títulos, e o quanto é correta a afirmação de que esse é o cinema mais criativo e autoral do cinema estadunidense na atualidade. Tenho que terminar com a única ressalva possível, mas isso é algo nosso, do Brasil: porque utilizar um subtítulo explicativo que, de alguma maneira, representa um spoiler? Longlegs – Vínculo Mortal, não carrega nenhuma situação outra, que não a sensação desagradável de estarmos adentrando um universo com uma informação extra, algo que na minha visão é uma tremenda bola fora. 

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