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O Corvo é uma produção ambiciosa, mas que se apresenta muito melhor do que sua fama precedeu

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Poucas coisas se comparam, ao cinéfilo, do que a sensação de alívio e surpresa que a inusitada qualidade de um projeto pode causar. Por inúmeros motivos, muitas vezes uma obra se apresenta com a marca da insatisfação prévia. Seja pelo conhecimento em relação ao talento do diretor (ou falta de), seja pelo material prévio apresentado ao longo do tempo de marketing, seja por um sentimento pessoal que gere essa falta de expectativas, ou a absoluta certeza de sua ausência. Ao término da sessão para a imprensa de O Corvo, a impressão não é a de sobrevivência, mas a de um prazer que nem é culposo. Porque atende às expectativas de um tipo de espetáculo que vem sendo subjugado em Hollywood.

Baseado em na graphic novel de James O’Barr, O Corvo está em sua terceira encarnação, e a primeira é a mais lembrada de todos, e também a mais incômoda por motivos alheios ao filme. Para quem não se lembra (ou simplesmente não sabe) foi durante as filmagens do original que Brandon Lee, filho da lenda Bruce Lee, se feriu de maneira fatal durante um acidente nas filmagens. O filme ganhou uma aura lendária e maldita, embora nunca tenha sido verdadeiramente um filme potente; tem mais pose ali do que substância. Imaginando que o próprio quadrinho deva se prestar a essa postura, mais uma vez uma certa postura de propaganda está em cena, mas essa nova versão não apela apenas para isso. 

Não sou adepto da exploração da violência de maneira vazia, mas sou ainda menos apreciador do conservadorismo que o cinema estadunidense adquiriu nas últimas décadas, que é o que produz filmes como Borderlands. É exatamente por esse motivo que assistir a algo tão adequado quanto o que Rupert Sanders apresenta para o seu O Corvo soa fora do comum e urgente. Filmes que usam o sangue explícito como maneira de tensão cômica não é novidade para o público contemporâneo a Quentin Tarantino ou as aventuras de Deadpool. Aqui, no entanto, existe uma carga dramática e um sentimento de desamparo que vem atrelado a tudo que é derramado em cena, e no momento da ópera as intenções do diretor saem positivamente do controle. 

Sanders, a bem da verdade, não inspira muita confiança. Dizer que O Corvo é seu melhor filme entre os três que já realizou, sendo os anteriores Branca de Neve e o Caçador e sua versão absurda para o anime Ghost in the Shell, não significa nada. Mas o cineasta aqui parece driblar a estética que quer empregar para um discurso que, se não é plenamente satisfatório, ao menos existe e está empregado. Chama a atenção que ele tenha David Fincher em tão alta conta aqui (na abertura isso fica óbvio), e que sua visão acerca da maneira como nos relacionamos hoje em dia saia do campo das ideias. Ainda que sintonize lugares dispersos para enfocar em suas teorias, o filme é consistente em tudo que apresenta, desde o que é artifício até o lugar da mensagem sobre depressão na juventude, sutil porém muito bem aplicada.

Isso é ocasionado pelo ótimo desenvolvimento do vilão vivido por Danny Huston. O ator encarna uma espécie de sentimento, muito mais do que uma figura de carne e osso, que se alimenta da dor alheia para lhes infligir algo como o desejo muito humano de desaparecimento. O ator compreende essas características tão fortes diante de algo que é mais uma presença emocional que um ser concreto, e mostra suas potencialidades, no que é ajudado por um adequado Bill Skarsgard, um ator que se despe aqui. Nos acostumamos a vê-lo muito caracterizado, como em It, mas dessa vez seu rosto pode ser visto com mais clareza e o rapaz dá conta de um recado complexo; esbanjar dor, melancolia e fúria em camadas que precisam ser bem equilibradas para alcançar a plateia. 

Longe de se tratar de um neo clássico, O Corvo, ao contrário do que poderia ser imaginado previamente, é uma produção ambiciosa, com falhas perceptíveis, mas que se apresenta muito melhor do que sua fama precedeu. Um filme que, vejam só, ainda atenta sobre o esticamento da moralidade entre os mais ricos e poderosos, e que de vez em quando um agente da anarquia precise dar cabo de certos dogmas, ainda que na arte. Se calibrasse melhor sua história de amor para longe de um furor adolescente injustificado em atores que nada mais tem dessa idade, poderíamos ter mais que um belo exemplar de cinema blockbuster. Ainda assim, é uma bela surpresa que o filme tenha conseguido chegar ao menos nesse lugar. 

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