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Ligação Sombria reflete o ponto atual da carreira de Nicolas Cage

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Em termos gerais, podemos dizer que a carreira de Nicolas Cage é uma peça em três atos. No primeiro, o ator surge para o cinema, trabalha com grandes diretores e alcança a consagração com um Oscar, por Despedida em Las Vegas (1995), na segunda fase, afundado em dívidas, ele começa a trabalhar em filmes menores, tanto em orçamento como em qualidade  (terrível), atualmente, vejo sua carreira num terceiro ato: sua postura extravagante em cena deu a volta, virou cult e vem sendo usada de modo consciente, criativo, como veículo de filmes que desejam ser exatamente como são como Ligação Sombria.

Ligação Sombria

Um bom exemplo dessa nova fase de Nicolas Cage é seu mais novo filme lançado no Brasil: Ligação Sombria (2023). Inclusive, não é exagero dizer que este thriller é como uma representação fílmica do ponto atual da carreira do sobrinho de Francis Ford Coppola: excêntrico, violento, insano, envolvente e extremamente comercial — vide seu usufruto em Longlegs (2024). Quem não gosta de ver Nicolas Cage pirando em cena?! Se você gosta, corra para o cinema, este filme é para você. Eu gosto, mas porque o cinema (derivativo) do diretor Yuval Adler serve muito bem ao perfil de sua estrela principal e aos limites do roteiro de Luke Paradise.

O espectador mais experiente e atento percebe os clichês de Ligação Sombria e os caminhos previsíveis que a trama toma, desde o início até seu desfecho. Em dado momento, o texto força uma tensão que a tela não mostra, que o filme como um todo não evoca na gente. Mas, no geral, este suspense com toques de terror funciona bem como um exercício de gênero(s) e estilo baseado na figura satânica interpretada por Nicolas Cage e seu algoz, vivido por Joel Kinnaman (David).

Esse exercício, como eu já disse, se dá por meios derivativos — ou seja, nada aqui soa minimamente original. A interação entre Joel como um motorista bobo e Cage como um passageiro cruel é chupada de Colateral (2004), com Jamie Foxx e Tom Cruise. Os diálogos triviais e a metalinguagem que Luke Paradise insere em Ligação Sombria são uma herança de Quentin Tarantino. No clímax do filme, toda a dinâmica de perseguição entre os dois personagens num estacionamento (e até os raios que cortam o céu em seguida) denuncia(m) que a obra é inspirada em Cabo do Medo (1991), de Martin Scorsese — o que explica também o papel sinistro que a religião desempenha no longa-metragem: sem tanta lógica (pois referencial), mas com fins dramáticos evidentes.

Dito isso, eu acho que esse jogo de referências funciona bem em Ligação Sombria. É como um norte criativo para um diretor e um roteirista menos experientes articularem um cinema seguro e até interessante formalmente. Por exemplo, a interação espacial do filme com a cidade à sua volta é bem articulada com as canções de Jimmy Radcliffe —  e essa inspiração no cinema de Michael Mann (e seu Colateral) só melhora o filme. Quando o motorista bonzinho enfim reage ao seu passageiro diabólico, um pingente de cruz salta reluzente de seu peito, e o efeito disso é narrativamente óbvio, mas coerente, e é visualmente bonito, bem fotografado. Fora que ver Nicolas Cage gritando “Eu sou Edward G. Robinson” funciona como um fan service para cinéfilos, não importando se isso significa pouco ou nada. Aliás, Ligação Sombria me incomoda justamente quando tenta fazer sentido, tramando de jeito apressado um motivo para as insanidades que vimos em cena. Quando um psicopata de cabelo e terno vermelhos aponta a arma para pessoas inocentes numa lanchonete e dá tiro em câmera lenta, tudo faz sentido. Quando Nicolas Cage entra num banheiro azul e rosa e intimida a garçonete folgada, que chora arrependida na privada, nada mais precisa ser dito. A melhor explicação para o filme eu já tinha: ser como é. Um road movie para o inferno, às avessas, soturno, no qual a estrada, em vez de evocar descoberta, ruma rapidamente para o fim inevitável: a morte. O filme é isso, sua explicação sempre esteve inserida em seu ser — um exercício baseado em convenções do cinema e na figura (insana) de Nicolas Cage.

Rodrigo Torres
Rodrigo Torreshttps://rodrigotorrex.wixsite.com/rt-port
Formado em Letras para servir bem à comunicação e ao jornalismo. Crítico membro da Abraccine e filiado à Fipresci.

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