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“Nossa História com Chico Buarque” flana no tempo em busca de afetos da MPB

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É difícil haver um dia na programação de rádios voltadas para hinários românticos, como a JB FM, a Novabrasil ou a Antena 1 (isso citando apenas o dial carioca), em que uma canção de Chico Buarque não seja interpretada (ou reinterpretada) buscando ressonância no imaginário afetivo de nossa gente. Mesma dinâmica vale para aplicativos digitais como o Spotify: há sempre Chico por lá. Desde seu primeiro disco, batizado com seu nome e lançado em 1966, trazendo pérolas como “A Banda” e “A Rita”, o menestrel passou a ser respeitado como uma espécie de bardo oficial do Bem Querer, do abandono e do desamor num registro afinado com o samba. Registro esse capaz de subverter a carga melodramática dos poemas cantados pelos canarinhos do dó de peito. Sua contribuição à forma de pensar o jeito brasileiro de saber (ou não saber) gostar e perder é revisitado com carga épica num musical nascido de uma provocação da produtora Andréa Alves, da Sarau Cultura Brasileira, para o diretor Rafael Gomes

Bem amparado no carisma de um elenco em pleno equilíbrio, no qual Flávio Bauraqui (em estado de graça) assume com galhardia as sequências mais tocantes. O clima de jukebox dá liga a uma viagem por traumas políticos desta nação, sintonizados com nossas crises democráticas.    

Íntimos da dramaturgia buarquiana graças a experimentos como “Gota D’água [a seco]”, de 2016, Andréa e Gomes se juntam a Vinicius Calderoni (no texto) e a Alfredo Del-Penho (na direção musical) na construção de uma epopeia melódica da vida do Rio de Janeiro, entre a Tijuca e a Zona Sul, unindo duas famílias ao longo de três gerações. A ação flana no tempo entre 1968, 1989 (o trecho mais arrebatador) e 2022. Debatem-se temas como ditadura, racismo, machismo, redemocratização, confisco da poupança, traumas do golpe de 2016 e a cultura dos reality shows. Cada um desses tópicos (jamais expressos de forma expositiva, mas, sim, de modo orgânico à trama) espelha dinâmicas da realidade num enredo sentimental conduzido pelos verbos encontrar, perder, reaver e resistir, numa cenografia dionisíaca de André Cortez. Cyda Moreno e Soraya Ravenle coroam essa ciranda verbal interpretando duas personagens centrais em fase já madura de suas vidas.
Até essa fase aparecer, vamos e voltamos por um labirinto de décadas a partir da inquietude de um escritor (Bauraqui) e sua companheira (Laila Garin, com seu gogó em estado de graça), acompanhando ainda a bagunça no coração de seus filhos. Figuram com destaque na trupe em cena Heloisa Jorge, Artur Volpi, Felipe Frazão, Larissa Nunes, Luísa Vianna e Odilon Esteves. Del Penho integra o time de músicos: Aline Falcão, Diego Zangado, Dudu Oliveira e Pedro Aune.

Nem sempre os arranjos do repertório impressionam. Alguns até se pasteurizam. No entanto, brotam daqui ou dali diálogos que nos embatucam valorizados por uma atuação realçada pela iluminação sempre atenta de Wagner Antônio. “Sair por aí com o desejo na mochila” é uma das frases que nos cortam os tímpanos (e o peito) em meio a uma releitura de hinos como “Construção” e “João e Maria”.

O realismo dá seu diapasão na montagem também na sobriedade dos figurinos de Kika Lopes e Rocio Moure, que ampliam o vigor visual de “Nossa História com Chico Buarque”, cujo trunfo maior (na busca por sua relevância no disputado cenário dos musicais) é a direção de movimento de Fabrício Licursi. Não há um momento em que a coreografia dele não surpreenda. 

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