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Saudade fez Morada aqui Dentro, vencedor da primeira edição do Prêmio Netflix , chega aos cinemas

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ivemos em um tempo onde, infelizmente, a narrativa escrita é cada vez menos valorizada, ou considerada “menor”, dentro do cenário audiovisual. Desde pequeno, cresci ouvindo que “o teatro seria a arte da palavra e o cinema a arte da imagem” – concordo. Mas não fazem poucos anos onde me vejo não raramente arrebatado com o que imageticamente é produzido em espetáculos teatrais; Christiane Jatahy, hoje quase uma embaixadora do nosso teatro na Europa, há mais de década nos encanta com suas montagens híbridas em espetáculos monumentais, como ‘Julia’ e ‘E se elas fossem para Moscou?’, versões suas para Strindberg e Tchekhov. Também o cinema, em sua multipluralidade estética, nunca precisou se acanhar (ou pedir desculpas) para o fazer narrativo. As discussões movidas a esse tipo de assertividade sempre me parecem imbuídas da mais profunda ignorância e desprezo adolescente. 

Dessa forma, surgir do interior da Bahia uma pequena joia que se valha de um acerto conjunto que dialogue a imagem e o seu motor narrativo, deveria ser considerado um acontecimento. Não exatamente por uma questão local, mas pelos ecos que propõe, e para que deixemos de lado outra afirmação de uma burrice sem tamanho, a de que o Brasil seria um produtor escasso de roteiristas, ou ao menos de bons. Saudade Fez Morada Aqui Dentro soa, em sua busca pelo aspecto fugidio que a imagem capturada pelo olho humano tem de memorável, com uma ambição absolutamente genuína de alcance inimaginável. Vejamos o que é contado, de forma conjunta, entre essas duas peças fundamentais do Cinema, o plano e a construção narrativa. 

O que escapa desde as primeiras cenas de Saudade Fez Morada Aqui Dentro é essa vontade inestimável de contar sua história utilizando as duas metodologias possíveis, e isso se encontra especificamente com o cerne narrativo defendido por Haroldo Borges, seu realizador e autor (ele, também co-roteirista de um dos filmes mais especiais lançados na década passada, Jonas e o Circo sem Lona). Esse duo de imagens que formam a abertura e o encerramento de seu novo filme, que nos situa na relação entre dois irmãos e sua evolução dentro do escopo possível, cria um elo muito fino entre a capacidade de uma brasilidade visual moderna e o encontro com algo tão universalizado quanto a nouvelle vague, na liberdade de criação estética e na concepção de um corpo em constante movimento, seja na composição do ator ou do enquadramento vivo. 

Estamos diante de um projeto que, independente da simplicidade e caráter popular do que está sendo vendido narrativamente (a gradual perda de visão de um rapaz de 15 anos), sua busca autoral nunca se retrai para o ‘menor’. Seja afirmando esse sentido libertário da efemeridade das situações, em como tudo é fugaz e veloz nas relações e nas ações, seja na discussão a respeito de identidades de gênero, no confronto verdadeiro entre o arcaico e o novo. Já tendo encontrado Saudade Fez Morada Aqui Dentro por mais de uma vez, e ainda perceber novas configurações de ideias brotando constantemente das imagens produzidas, se faz premente não ter a parcimônia de perceber a comunicação direta que Borges elabora com sua obra, entre dois mundos cinematográficos aparentemente desconectados, sem deixar de elencar nas suas intenções outro tipo de comunicação, a direta com o espectador. 

Sem vergonha de emocionar (e fazê-lo ao mesmo tempo sem concessões, mas também nunca mostrando um espaço paternalista), Saudade Fez Morada Aqui Dentro talvez se encontre diretamente com outro cinema, o de André Novais Oliveira. Na maneira como ambos encontram dentro das possibilidades do gigantismo de suas obras, um caminho de alicerces frontais para o diálogo com o espectador. Toda essa verborragia que o texto apresenta enquanto jogo cênico está na centralidade da obra, mas isso não significa abrir mão da comunicação direta. O que está sendo mostrado então aqui é do segmento mais raro possível, no cinema produzido em qualquer país hoje: suas convenções formais não mascaram a verdade pulsante do projeto. Salta aos olhos a capacidade emocional que Borges alcança, e bem devagar descortina para que a experiência se revele plena. 

E existem poucas maiores capacidades de comunicação de uma obra do que nossa conexão emocional com seu centro narrativo, e aí entra a força desse roteiro da autoria de Borges e Paula Gomes – a diretora do já citado Jonas e o Circo sem Lona. Bruno está em processo de múltiplas explosões: um adolescente que precisa entrar em contato com a mudança à sua volta, em todas as suas vertentes. O que ele ganhará nesse momento onde tudo parece significar perda? No corpo dessa narrativa, a interpretação de Bruno Jefferson se configura como um ato milagroso, um daqueles momentos mágicos que só o cinema é capaz de nos apresentar – o encontro com a mais pura forma de inspiração e magia. Juntos, o intérprete e o autor de Saudade Fez Morada Aqui Dentro criam mais do que uma sinergia rara, mas sim uma singular forma de conexão emocional e estética com o público. Está tudo na mais perfeita sintonia. 

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