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Banel & Adama: Ramata-Toulaye Sy faz uma fábula étnica demarcada, com clichês

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Existe um clima de sonho que perpassa a duração de Banel & Adama na maior parte do tempo, como se os protagonistas do filme fossem habitantes de universo alterado. Essa alteração é motivada pelo desejo, pelo profundo amor, por sentimentos nobres que serão conspurcados pelo que a sociedade não permite – no caso, a liberdade. Um dos filmes listados na competição principal do Festival de Cannes, em muitos aspectos esse filme representa uma quebra de percepção, mas talvez a mais forte seja na colocação a respeito dessa força dissidente que os bons conseguem provocar diante do inesperado, como o amor, a confiança e a disseminação de tais valores. Aliás, em 2024, muitas dessas palavras e seus significados já se encontram em desuso mesmo.

A diretora senegalesa Ramata-Toulaye Sy pode até ter feito uma fábula étnica bem demarcada e com clichês que envolvem os questionamentos entre a aceitação social diante da mudança dos tempos, mas seu cenário é não-usual o suficiente para provocar frescor. ‘Banel & Adama’ é a típica história de amor cerceada por seu entorno, que não consegue aceitar o mais básico dos sentimentos – mas sua diretora realiza sua produção com a consciência de que está mostrando uma moldura conhecida. Para provocar, ela trata do que vemos com uma simplicidade insuspeita, sem pesar a mão no “excesso de plasticidade” apresentada, quando seria esperado fazê-lo. O que o espectador testemunha é uma proposta quase anti-exotismo, buscando um retrato que flerta com um naturalismo possível.

São duas pessoas, que a imagem revela mais que a narrativa, pois essa é esperada, com um caminho de definição sossegada. Vamos sendo aproximados desse casal muito mais pelo gesto, pelo plano e pela imagem. Essa é a mola de movimentação do filme, acompanhar e se deixar envolver por esse casal através do que a câmara capta. Eles são definidos como um amálgama apaixonado pelo detalhe; é o olhar que define nossa porta de entrada. Os olhares que eles trocam, o toque que eles dispensam um ao outro, são suas motivações deliberadas pelo nosso envolvimento com cada troca que os atores montam entre si. E tudo tem uma organicidade quase documental, motivando nossa obrigatória ligação com o material.

Não é como se o visual não importasse para Banel & Adama – a força de suas imagens também passa por esse lugar. Mas estamos acostumados com um mergulho mais profundo de produções que interessem a festivais europeus que investiguem a imagem africana. A diretora aqui, estreante, mostra que não está disponível para vender uma imagem estereotipada do que vemos de sua cultura, porque ela está interessada nos costumes, mas muito mais em como nos fazer acessar seus personagens. Então é como se o cenário fosse apenas um lugar onde tais tipos estão posicionados, do que uma paisagem exuberante a ser explorada até o limite. Os detalhes que acabam por tirar essa impressão exploratória está justamente na vontade muito clara de debruçar-se sobre as pessoas, e suas vontades genuínas.

Isso tudo sem deixar de ser um filme de sua autoria. Sy não está interessada também em fazer um “filme de ator” tradicional, com solos e momentos de brilho hollywoodiano. É como se fôssemos positivamente enganados por ‘Banel & Adama’, e apresentados a uma produção muito mais simples do que outro autor se proporia fazer, e exatamente por isso com um grau de desprendimento em relação ao que é esperado dele. O filme quer, unicamente, tentar te levar para um outro lugar, dito remoto e inóspito pelo que é ligado no audiovisual, pra mostrar que também lá é possível um espaço para a contemplação emocional. Sem as cores berrantes que certas narrativas apresentam e que podem tratar certas regiões do mundo com um grau de ficcionalização imagética.

A estreia de Sy segue um ano de muita argúcia para diretoras mulheres estreantes, mas seu delicado ‘Banel & Adama’ demonstra uma vontade de estar no mercado, e não de ser uma estrela cadente. Estamos diante de uma cineasta cujo empenho pela ternura é tão vívido, que nos sentimos imediatamente conectados ao seu cinema do futuro. Porque, por mais que tentem rebater o afeto como algo menor e desprezível dentro da arte, é exatamente desse lugar menos espalhafatoso que temos visto o cinema elevar-se, em toda parte. Que não demoremos a acompanhar um novo capítulo da história que Sy acaba de dividir conosco. 

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