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Inverno em Paris é um ‘coming of age’ suave em sua essência

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No fim de semana do Dia das Crianças, seria comum que estreassem filmes como Robô Selvagem Tudo por um Popstar 2; o bicho estranho aqui, aparentemente, é mesmo Inverno em Paris. Podemos até relativizar e dizer que o protagonista, Lucas, já é um adolescente, mas é fora do comum que justamente tenha sido escolhida essa data para esse filme. Em muitos sentidos, o filme mais recente do diretor Christophe Honoré é uma pérola escondida sobre o definitivo momento em que a infância ganha um limite para a fase adulta, e da forma melancólica como certas experiências acontecem, independente de seu caráter definitivo. Além disso, ainda estamos diante de uma rara incursão sensível e descomposta que o diretor realiza. 

Para quem não capturou, Honoré é o nome por trás de Conquistar, Amar e Viver IntensamenteA Bela Junie e o neoclássico Canções de Amor; todos filmes de temática adulta, mas especificamente produções com um viés LGBTQIAPN+ de maneira sempre intensa. Inverno em Paris também aposta na temática, mas o faz a partir de um ‘coming of age’ suave na essência, ainda que doloroso na prática assistida. É como se os fatos pelo qual o protagonista embarca não tivessem outra abertura, que não a uma espécie deliberada de peso. Essa comunicação francesa com a mesma fagulha que vem sendo vista no cinema brasileiro nesta temporada, onde o desaparecimento parece uma válvula de escape prestes a ser acionada, é uma prova de que a adolescência está ainda mais afetada pela depressão, hoje. 

O gatilho que determina o ponto de partida de Inverno em Paris é a repentina perda da figura paterna, o que também é simbólico para a narrativa. Sem essa espécie de tradicional primeiro herói de uma criança, Lucas procura então seu segundo nome exemplificado, o irmão mais velho. O filme segue então criando um relevo para esse jovem, e mostrando seu entorno emocional. Além do irmão, Lucas tem uma mãe que igualmente se destruiu com a viuvez, e ainda sua possibilidade romântica. O filme segue essas pessoas também pelo seu ponto de vista, mas igualmente é ele o responsável por apresentar essa voz de terceiros, ao mesmo tempo em que sua jornada é independente desse coletivo. 

Honoré, que por raras vezes, tratou personagens tão jovens em tela, aqui precisa abraçar uma doçura que nunca lhe faltou, mas que estava dispersa entre uma certa dureza observacional. Em seus melhores filmes, ele consegue criar o equilíbrio necessário para convidar o espectador para os universos por onde passeia. Em Inverno em Paris, uma nova alquimia é proposta com essa adição de elementos do qual ele pouco se ateve, até então – o luto, atrelado a uma expectativa de vida que difere da sua própria abordagem. Não somos apenas testemunhas do que está sendo apresentado, porque seu diretor encampa seu filme de sensações palpáveis, como é de sua natureza. É mais profundo do que ver Lucas, mas quase conseguir acessar sua pele, suas decisões e principalmente suas dúvidas. 

Isso tudo também é conseguido porque Honoré tem um elenco primoroso à sua disposição, onde Juliette Binoche e Vincent Lacoste representam pilares de sustentação sólidos. Mas não apenas, já que ambos compõem com a esperada entrega de personagens que precisam ser quentes, para dar dimensão ao que o protagonista precisa, no momento em que o encontramos. E Paul Kircher, que venceu aqui o prêmio de melhor ator em San Sebastian, esse ano ganhou o prêmio de revelação em Veneza – ou seja, a promessa que se vislumbrava em Inverno em Paris já é uma realidade. Seu trabalho não é de pouca complexidade, precisa compor o complexo mosaico que abarca uma juventude ‘queer’ em momento onde as rupturas com o que conhecemos parecem obrigatórias. Para alguém tão jovem (ele tinha 19 anos quando filmou), a carga que entrega não é simples. 

Já temos um próximo filme de Honoré pronto para lançamento (e pode ser que Marcello Mio chegue ainda esse ano, para alcançar o centenário de Marcello Mastroianni), mas Inverno em Paris é um real motivo de comemoração, em sua carreira. Por permitir uma mudança de ares, com um olhar menos repetido sobre seus lugares de leitura, por ter uma aproximação a um público menos ligado ao seu universo, por encontrar uma saída rejuvenescida para os dilemas que costumam povoar as questões que lhe calam mais fundo. Isso reunido a um elenco que eleva seu material, ainda que não tenha a melhor saída para solucionar sua narrativa, ainda é um ato de renovação muito apreciado. 

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