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Malu: Pedro Freire homenageia Malu Rocha

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Em tese, filmes como Malu assolam os cinemas de todo mundo todas as semanas, porém isso definitivamente não passa de tese mesmo. Por baixo do que seria uma aparente simplicidade narrativa, de construção realista e proposta de delicada abordagem humanista, surge um cineasta interessado em bem mais do que a superfície. Pedro Freire não está blindado pela personagem que escolheu estrear em longas-metragens, por trás da imensa dificuldade emocional que é encarar esse projeto, existe um autor que claramente anseia por mais, e que arrisco dizer estar preparado para mais. Se o cinéfilo mais desconfiado deixar fluir a impressão inicial, o encontro com uma bomba constantemente acionada para explodir é o mínimo de que tal filme é capaz. 

Malu Rocha é uma atriz brasileira falecida há mais de 10 anos, mãe de Freire. Malu é o objeto com o qual o autor pretende homenagear sua progenitora, e também a arte brasileira, e também observar os eventos que contam a virulência adequada a quem foi diretamente afetado ao que acompanhamos. Sendo ou não uma fiel representação das passagens, o que importa cinematograficamente falando é o resultado desse estudo minucioso sobre as sensações de seu passado, que dão origem a um olhar forte sobre um futuro desconhecido. Não estão em jogo apenas os limites do respeito, da sanidade e do descontrole, mas essencialmente capturar através desses e outros elementos onde se desenrola a radiografia de Brasil. 

A certa altura, tudo o que uma sinopse pode englobar e o campo das expectativas alimentarem, ficam na poeira diante do que é apresentado. Montado por Marília Moraes (a genial editora por trás de MedusaNosso SonhoBabenco: Alguém tem que Ouvir o Coração e Dizer Parou, entre outros), Malu se abre a partir de um intrincado jogo cênico. Três mulheres de uma mesma família em gerações distintas – avó, mãe e neta – se amam e se digladiam, se digladiam e se amam, no que a montagem apresenta força descomunal no momento de revelar cada uma em cena. Não é um trabalho que permita fácil compreensão afetiva, porque nunca estamos do lado de nenhuma delas, ao mesmo tempo que compreendemos cada um de seus infinitos erros e deslizes, além de saber apreciar os predicados de seu trio. 

O jogo da edição imprime uma verossimilhança bem particular, que o transforma em uma experiência radical, de evidente afeto em um momento e na sequência seguinte, rejeição igualmente certeira. Pode parecer desconcertante, incômodo e em determinados momentos até exagerado, mas o que Malu mostra é um retrato recortado de uma realidade factível. Em terreno próximo ao que Fábio Meira se embrenhou na temporada passada com Tia Virgínia, Freire revisita esse cenário familiar tóxico sem o amparo da fantasia final, do delírio extravagante. Aqui temos apenas a violência emocional que não encontra possibilidade de apaziguamento, indo até os lugares menos saudáveis possíveis entre pessoas que se dizem amar. 

O que erroneamente é visto como um ‘drama familiar’, em Malu extrapola tais convenções para mostrar, por trás do adoecimento de uma personagem (e, de quebra, todo o núcleo), um reflexo do que aconteceu com o país em sua História. Ao não refletir sobre os feitos de horror, a exploração do indivíduo e sua capacidade de esquecer seus traumas, o filme está comunicando bem além do que vemos. É sobre o desamparo crescente de mulheres que não se abrem à sororidade, mas é igualmente sobre um país que apagou da memória o que fez com seus filhos; “para onde estamos indo?”, é a pergunta que ecoa ao final da sessão. Será que existe uma forma de responder isso sem machucar ainda mais os envolvidos?

Na linha de frente de Malu, seu grupo de atrizes é o portal de comunicação direta com o público, que se relaciona com a obra muito mais diretamente por culpa de suas performances. Observadas de perto pela estreia em longas de Átila Bee em coadjuvância poderosa, a histórica Juliana Carneiro da Cunha (de Lavoura Arcaica) encontra a juventude de Carol Duarte (de A Vida Invisível) para potencializar seus trabalhos, a segunda em momento sublime. O personagem-título é vivido por Yara de Novaes, que escreve em definitivo seu nome entre os mais definitivos da temporada. Com uma energia multifacetada, que compreende os abismos e os arranha-céus que Malu precisa imprimir, Novaes vai até os extremos com uma interpretação muito completa, fechando o ciclo para um filme especial por suas capacidades de congregar o íntimo familiar e o papel indelével de uma nação nos ombros de seus filhos. 

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