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“Névoa” decanta a fumaça do ódio, com temática sobre a homofobia

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Existe uma interseção histórica, separada por 27 anos, entre a peça “Névoa”, que desfila concisão e precisão numa ofensiva dramatúrgica feroz, e o longa-metragem “Será Que Ele É?” (1997), de Frank Oz, protagonizado por Kevin Kline. Êxito comercial surpreendente à época de sua estreia, o filme (hoje incômodo para as cartilhas da correção política), acompanha a transformação na vida de um adorado professor. Sua rotina é atropelada pela atitude de um ex-aluno famoso que, ao ganhar o Oscar, anuncia, no palco da Academia de Hollywood, que seu outrora mestre é gay. Ou seja, o rapaz (Matt Dillon) assume por ele. Daquele momento em diante, toda a sorte de violência passa a ser imputada contra o educador, numa invasão de sua privacidade.

A dinâmica do texto teatral de Michael Perlmann também inclui a estatueta dourada hollywoodiana e também devassa cotidianos. Seu foco, entretanto, não é a “saída do armário” e, sim, a bestialidade do bullying, abrindo, num gesto dialético, o retrato de outra brutalidade contemporânea (e midiática): o “cancelamento”. 
Do mesmo modo que valoriza belos diálogos, com direito a uma das mais lindas declarações românticas cunhadas nos últimos anos (“quero que seus moinhos sejam os meus gigantes”), a direção de Lavínia Pannunzio arbitra extremos, na investigação sociológica de “A Névoa”, sem resvalar na retórica.

Há dois prismas em cena, ambos balizados pelo ódio, e eles se acomodam, doídos, num debate sobre as consequências nefastas da intolerância. Raiva, um sentimento de justificativa catártica, é expresso em cena de muitas formas, algumas até anestésicas: “Dormir vai te fazer crescer; brigar vai te fazer amadurecer”, diz o ator Felipe Hintze (grandioso) em cena, ao se referir a um conselho paterno.    

Logo na abertura de “Névoa”, Ethan Rice (Fernando Billi, em devastadora composição) tenta ver um jogo, regando-se de cerveja, ao lado do melhor amigo (Bruno Rocha), para entorpecer as ideias do linchamento de que é vítimas. Faz pouco, ele teve delitos do passado expostos em rede nacional, em meio à cerimônia de entrega do Oscar, por um ex-colega de colégio, o (hoje) cineasta Dennis Sullivan (Felipe Ramos, em desempenho caudaloso). Foi acusado de ter sido o responsável pelo suicídio de um companheiro de classe, um jovem de orientação queer, que optou por morrer por não suportar o trato abrutalhado que recebia na escola. 
Denis tem um namorado, Gregory (papel de um luminoso Hintze), que é apaixonado por ele mas não consegue se assumir para sua família. Seus impasses, contudo, não furtam sua sabedoria, pois é ele quem esquadrinha o cenário de guerra aberto na mídia por seu amado. Guerra que passa a dragar seu benquerer. Numa medida semelhante, o amigão do peito de Ethan, John, cujo irmão é gay, também tenta abrir os olhos de Ethan, não tanto para o estrago atual que o cerca, mas, sim, para os preconceitos que ele destila em expressões “recreativas”. É uma figura que implode no palco, à luz da madura atuação de Bruno.        

Econômica, mas instigante aos olhos, a cenografia de Mira Andrade cria uma ambientação claustrofóbica na qual embates de afetos e ajustes de contas explodem, abrindo reflexões com foco na responsabilidade. A iluminação cálida de Aline Santini amplia o tom de zona de conflito de cada troca de acusações, de cobranças, de descarregos. Ao mesmo tempo em que se fala das funções inclusivas das redes sociais, vemos a sanha de ressentimentos que elas geram. O que fica de saldo desse maduro espetáculo – além das boas performances de sua trupe – é um olhar panóptico sobre práticas contemporâneas de convivência. 

Confira o serviço da peça!

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