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Receba! traz brasilidade com referencias à Tarantino

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O cinema brasileiro pode reclamar de muitas coisas em 2024. O ‘market share’ mais que dobrou do ano passado pra cá, mas o primeiro trimestre foi tão excelente, que o resto do ano ficou longe de conseguir acompanhar; ou seja, esperamos mais do público. O circuito exibidor também tem constantemente nos boicotado, e dado mais atenção a produções menores (bem menores, muitas vezes), porém faladas em inglês em detrimento ao nosso produto. O que não podemos reclamar, já há mais de uma década, é de falta de qualidade e de diversidade de produção, ainda que toda essa qualidade não esteja nos lugares de distribuição em massa, ou seja, esses grandes filmes precisam ser encontrados. É o caso de Receba!, produção baiana que estreia essa semana como uma lufada de novidade na temporada. 

Não é como se os cineastas estivessem inventando um novo conceito de filme, mas (podem me tacar pedra) assim como Quentin Tarantino não inventou nada em Pulp Fiction Cães de Aluguel, embora tenha sim, revolucionado o cinema estadunidense no início dos anos 90, Receba! traz brasilidade a esse manancial de sangue, tiros e risos. Se nenhum desses elementos é apresentado de maneira convencional, fica claro que Pedro Perazzo e Rodrigo Luna beberam nas fontes que os acompanharam adolescência afora. Assim, como o próprio Tarantino supracitado não pediu licença a ninguém para rasgar a monotonia do campo em 1992, a Bahia mostra que está sim produzindo um celeiro disposto a ressignificar o gênero de acordo com a nossa essência de país. 

Paula Gomes e Haroldo Borges reconstroem o drama do Brasil profundo, Déo Cardoso esquenta o caldeirão de conflitos sociais, a turma da produtora Olho de Vidro (Klaus Hastenreiter, Hilda Lopes Pontes e Calebe Lopes) recarregam as tintas do fantástico, e Ary Rosa e Glenda Nicácio amalgamam todas as artes possíveis em um mesmo alguidar. Perazzo e Luna, ao menos em Receba!, parecem desafiar todas as vertentes possíveis de um filme-coral – aquele onde um grande elenco têm suas histórias desencontradas e reencontradas em cena – para abrigar um lastro possível de thriller policial, sem esquecer o lugar onde estamos. Isso significa mover as engrenagens para um ‘jeito brasileiro’ sem diminutivo, mas igualmente malandro e potencialmente letal. 

Não há um protagonismo em Receba!, porque na verdade o “personagem central” da narrativa é a força dos eventos que se desenrolam. Baseado no livro de Ana Paula Maia adaptado por Perazzo (de Homem Livre, e das séries Irmãos Freitas Impuros), o filme acompanha a perseguição de um grupo de pessoas por uma bolsa roubada contendo uma grande soma de dinheiro. É um grupo interligado através do submundo de Salvador, e que pode apresentar um chefão do crime, um policial corrupto e até mesmo uma atriz pornô transformada em boxeadora. Para contar tal história, o elenco conta com um elenco de sonhos baiano, que incluem Edvana Carvalho, Jackson Costa e Tânia Toko. 

O que fará o espectador se conectar à produção é a maneira como Perazzo e Luna filmam, com uma maturidade espantosa para uma primeira direção. O filme leva para a tela esse lado menos glamouroso das relações humanas sem deixar de mostrar suas propriedades estéticas. A câmera passeia pelos cenários de forma a mapear cada espaço, para no momento seguinte o público já conseguir identificar o que a direção propõe, permitindo um trabalho de invenção ao filme. Com agilidade insuspeita, Receba! investe em um produto de impressão imagética revelador das características de seus personagens, adensando o que vemos através dessas curvas que as imagens sugerem. 

Entre tantas sequências impressionantes, que deixarão nossa cabeça empolgada com cada novo próximo passo do filme, a que acompanha a fuga de Gina de um ato de violência é particularmente delicada. Trata-se de um filme então feito com uma competência ímpar, que renova nosso olhar para os lugares do cinema através da renovação de seus atores e de seu cenário. A partir de determinado momento, Receba! começa a soar verdadeiramente como uma novidade fora do comum; não é. Por exemplo, é comum em um filme de núcleos concomitantes que alguns se saem melhor que outros, e isso acontece aqui. O resultado final, no entanto, é de tal excelência que as questões menores passam quase despercebidas. 

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