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Robô selvagem traz um olhar sensível a aceitação das diferenças

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Não sou uma pessoa (ou um crítico de cinema) que me deixo convencer fácil por determinados temas; alguns, já tem minha desconfiança prévia, seja pela repetida utilização ou pela minha falta de conexão com a abordagem – na tela ou na vida. Maternidade é um desses, onde parece que todas as porções já foram mostradas, e seus lados investigados. Robô Selvagem, em muitos sentidos, é uma rasteira bem dada em quem estiver esperando algo formatado por Hollywood de uma maneira tradicional. Porque, acima de tudo, estamos acompanhando um universo tangenciado por um olhar sensível a respeito de algo muito comum, transformado de maneira fantástica. 

Quando aponto para o lado fantástico da associação, não quero aludir a isso uma colocação própria à animação, mas exatamente na sua abordagem de gênero, levando a ficção científica ter o mais representativo tratamento no formato desde Wall*E. Com essa entrada em lugar pouco visitado por contornos animados, Robô Selvagem seduz o mais distraído dos espectadores com inúmeras possibilidades de alcance de seu roteiro. Seus criadores o fazem sem esquecer o que grandes filmes não necessariamente conseguem equilibrar bem, que é o amálgama entre um grande objeto de desenvolvimento e a atenção necessária que o espectador mais diminuto consegue ter de aproximação a animação hoje. O resultado é uma obra que, em sua exuberância, não esquece do importante olhar para os pequenos. 

Como é esperado de um grande filme, Robô Selvagem não é obra do profundo acaso, mas de um artista que já entregou ao menos duas obras definidoras na animação. Chris Sanders é o homem por trás de Como Treinar seu Dragão Lilo & Stitch, e encontra aqui mais um espaço invejável de construção narrativa, mas digo que o avanço é visível. Baseado na obra de Peter Brown, o filme utiliza recursos clássicos do melodrama para encampar uma história de aceitação das diferenças e de auto-descoberta em uma sociedade moldada para abarcar estereótipos, como a nossa. Seria muito fácil apenas observar o que já fez Hans Christian Andersen e tentar reproduzir; o que Sanders faz aqui é redescobrir sua narrativa através de surpreendentes lacunas estéticas e discursivas. 

Nada disso transforma a produção em um campo hermético no formato, bem longe de olhares como Anomalisa. O que o roteiro assinado pelo próprio Sanders propõe é uma camada meramente especulativa diante do que seus personagens não estão em campo para testemunhar. Isso é arranhado conforme seu desenvolvimento avança, criando uma indesejada situação que remonta ao erro de estrutura, mas sua base é suficientemente forte para que esse deslize seja considerado menor. Além de ser muito bem-vindo que acompanhemos uma história que ousa não se espraiar além do que é o campo de ação: uma ilha deserta de figuras humanas, mas recheada dos mais belos e coloridos animais pintados recentemente. Que o filme receba então sua figura central, a robô do título, para redistribuir a imagem natural do espaço, é uma construção das mais felizes. 

Se o filme parece tecer uma narrativa a favor das ‘inteligências artificiais’, em um momento em que se discute as consequências de se debruçar demasiadamente sobre o que não é vital, é uma forma de Robô Selvagem ainda provocar e criar entretenimento dentro de uma discussão tão premente. O resultado desse olhar é não apenas humanista, como favorável à manutenção natural de todos os seres, sem tentativa de dominação que não seja capaz de permitir rebelião – e porque não? Ousado e incisivo para quem quiser acompanhar a fundo seus intentos, a proposta de Sanders engloba predicados tanto a adultos quanto crianças, levando um título tão cheio de emoção genuína a uma reflexão bastante atual, tendo em vista sua vocação inequívoca para o encontro popular. 

Promovendo uma observação delicada para o dito laço mais potente entre dois humanos, ser compreendido entre máquinas e animais (bem pouco) irracionais, o filme move sua história até os lugares comuns esperados, mas com uma beleza inacreditável. Em todos os sentidos, existe uma ponte óbvia de ligação entre o espectador e Robô Selvagem, seja pelo viés mais óbvio, seja pela abordagem de pouca obviedade para uma narrativa futurista.

Com a destreza habitual com que a animação tem nos mostrado nos últimos anos, que encanta nas telas com obras singulares como essa, a arte tende a se superar quando perde seus preconceitos. Através de outros autores brilhantes da área, como Hayao Miyazaki, Adam Elliot, Wes Anderson, Nick Park ou Otto Guerra, é cada vez mais urgente que se perceba a animação como um modo de se fazer Cinema, e não relegar seus feitos a uma apropriação menos requintada, vanguardista ou simplesmente séria. O que um filme como esse deve a obras premiadas e superlativas da atualidade como Os RejeitadosPobres Criaturas ou Oppenheimer? Minha resposta: nada. 

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