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Todo Tempo Que Temos: Andrew Garfield e Florence Pugh estrelam romance com toque pueril

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Para o bem e para o mal, Todo Tempo Que Temos (We Live in Time, 2024) é um filme absolutamente consciente de si e de seu público-alvo. A  StudioCanal e a SunnyMarch, produtora do ator Benedict Cumberbatch, têm pleno entendimento da visão e das qualidades do roteiro de Nick Payne e escolhe tanto o diretor John Crowley a dedo como, especialmente, os dois elementos que brilham neste longa-metragem britânico: o carismático ator Andrew Garfield e a atriz Florence Pugh, que é incrível.

Ele é Tobias, um profissional de tecnologia da informação que nunca vemos trabalhando (para a revolta – ou inveja – de todos os meus amigos de TI) e que sonha em ser pai. Ela é Almut, uma chef de cozinha que já foi patinadora profissional e cujas profissões têm importância na trama. Sua dedicação ao trabalho e seu talento inequívoco são expressões da sua personalidade forte e sua independência (não apenas) financeira, e dão o tom do impacto que é ser impedida de perseguir seus sonhos por um problema grave de saúde. Almut tem um câncer terminal no ovário.

Esse desenvolvimento de personagem desequilibrado entre Tobias e Almut afeta o filme de diferentes formas. Na primeira meia hora de Todo Tempo Que Temos, o roteiro de Nick Payne coloca o protagonista em várias situações cômicas pueris, apelando a gags físicas que não se aplicam àquele contexto realista e denso, não funcionam bem como comédia e ainda infantilizam um homem adulto em uma obra de construção dramática com aspectos que aumentam o trabalho de Andrew Garfield para conquistar a atenção e afeição de um público mais amplo.

Por exemplo, para evocar a perturbação psicológica que o fim de um casamento causou no protagonista, o dramaturgo Nick Payne constrói uma situação em que Tobias deixa um quarto de hotel na fria Inglaterra de roupão, em uma cena estendida para fins de humor que são excessivamente bobas, nada engraçadas, e que não inserem camadas psicológicas no personagem, pelo contrário. Tampouco há a necessidade de modular o tom do filme com alívios cômicos, pois não há grande dramaticidade em tela no início de Todo Tempo Que Tempos. É a forma encontrada por Nick Payne de estabelecer Tobias como um homem fofo, que trará leveza à vida de Almut e que foge de um estereótipo masculino – ainda que ele deseje um casamento à moda antiga e um filho com sua amada, seja como for.

Tobias é, portanto, uma versão atualizada da história clássica do príncipe encantado. Ele é um cara sensível, mas não se furta de ser egoísta, querer impor suas vontades a Almut e descontar nela suas frustrações. Para se redimir, ele pedirá desculpas para a amada na frente de todas as amigas, numa cena típica de comédias românticas, feita para o público-alvo feminino se derreter na poltrona (e os homens se sentirem meio envergonhados, pela autoexposição do protagonista, meio impotentes, por sua coragem). E que, convenhamos, funciona melhor quando o personagem principal masculino é um ogro, pela quebra de expectativa. P.S.: Eu Te Amo (2007), com Gerard Butler, é um bom exemplo dessa ambiguidade que contribui para a narrativa.

Todo Tempo Que Temos também tem suas ambivalências, mas elas são bastante políticas, e não são feitas para pessoas progressistas como eu. Conforme o filme avança, fica evidente que Tobias e Almut representam dois polos distintos. Apesar de sua dimensão psicológica simples, ele é minuciosamente projetado como um homem afetuoso, dedicado e conservador — em sua profissão, seu figurino e seus anseios familiares. Ela já teve uma namorada, não abre mão de sua independência e rejeita a ideia de ter filhos — uma construção estereotipada da mulher progressista.

O texto de Nick Payne denuncia seu posicionamento ideológico quando dá um tratamento romantizado para Tobias, construindo um ideal do homem tradicional em 2024, e é malicioso na concepção de Almut como uma mulher moderna e liberal. Isso fica mais evidente quando Almut, repentinamente, cede aos desejos de Tobias e decide engravidar. Todo Tempo Que Temos não se furta de mostrar o alto custo dessa decisão na rotina, na carreira e na saúde física de Almut, que precisa interromper seu tratamento de câncer. E faz isso de um modo romantizado, a exemplo da onipresença de Tobias ao lado de Almut nos momentos em que ela faz xixi num teste de gravidez, cronometrando o tempo necessário para conferir o resultado. A intenção de Payne é evocar o cuidado e a parceria de Tobias, e seu impulso paterno como grande virtude. Para mim, dado o contexto e o cansaço expresso no rosto de Almut, isso denota obsessão, um certo egoísmo, e causa bastante incômodo.

Por tudo isso, não dá para dizer que Nick Payne não é inteligente em seu escopo narrativo. Como todos os clichês de seu roteiro revelam, Todo Tempo Que Temos é um filme que temos visto bastante nos últimos anos; uma dramédia que combina romance e tragédia assim como A Culpa É das Estrelas (2014), Um Dia (2011) e Como Eu Era Antes de Você (2016), com um olhar otimista sobre a vida baseado no romance entre duas pessoas. É um subgênero que pouco questiona, que costuma apelar ao melodrama (que tem identificação universal) e que tende a enfatizar valores tradicionais, como o amor eterno. Então, é um longa-metragem absolutamente coerente com sua proposta, e que reflete a onda conservadora do mundo atual.

Para o sucesso do projeto, John Crowley é também o homem certo para a função. Ele costuma filmar roteiros de terceiros, e trabalha bem o texto de Nick Payne, conhecido por construir obras com histórias paralelas passadas em tempos diferentes, a exemplo de A Última Carta de Amor (2021). Todo Tempo Que Temos é um filme todo feito de set pieces (pequenas histórias com um início, meio e fim próprios), como que um compilado de vários curtas-metragens, e elas são bem amarradas em tom, estilo e progressão narrativa pelo cineasta irlandês.

John Crowley também mostra, mais uma vez, que é um bom diretor de grandes atores, conseguindo potencializar as atuações de Andrew Garfield, numa chave mais amena e divertida, e de Florence Pugh como a potência dramática do longa-metragem, em uma dinâmica complementar que é fundamental para a química do casal. Assim, o diretor de Brooklyn (2015) e da série “Modern Love” (2019—2021) impacta positivamente as melhores qualidades de Todo Tempo Que Temos: sua estrutura narrativa, que renova o filme o tempo todo, e sua dupla protagonista, cheia de talento e carisma. São os elementos que tornam a sessão agradável até mesmo para quem, como eu, discorda da visão de mundo latente na obra.

Rodrigo Torres
Rodrigo Torreshttps://rodrigotorrex.wixsite.com/rt-port
Formado em Letras para servir bem à comunicação e ao jornalismo. Crítico membro da Abraccine e filiado à Fipresci.

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