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A Contadora de Filmes: Um melodrama com  desdobramentos políticos

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Quase uma fábula passada entre os homens sem qualquer magia, não poderíamos imaginar algo como A Contadora de Filmes sendo contado por Lone Scherfig, à primeira vista. Não pelo seu protagonismo, mas pelo tom que a obra alcança ou almeja, em pontos específicos. Esse desejo legítimo de tornar tais vivências enquanto obra, com um tom de inocência mesmo quando esbarra nos mais humanos dos horrores, é uma ideia que deveria ter exatamente esse tratamento, com a relevância pretendida e a delicadeza almejada. Quando lembramos que Scherfig é a diretora do pequeno grande Educação, tal escolha para estar aqui complementa em sentido tudo o que é feito. 

A Contadora de Filmes

Baseado no romance de Hernán Rivera Letelier, A Contadora de Filmes tem uma trajetória curiosa entre processos artísticos. É um livro sobre uma jovem que “cria uma profissão” que já existe desde os primórdios, nada mais que os grupos de contadores de histórias ao redor da fogueira, hábito que remonta ao início dos tempos e que precisa ser restaurado em diferentes versões de tempos em tempos. O tom das cores da produção, ainda que remete a região chilena onde se passa a narrativa, também contribui para um aspecto remoto, que nos transporta para uma realidade quase fantástica, ainda que profundamente dolorosa em muitos pontos. 

O filme embarca na história de Maria Margarita, a única mulher de uma família de quatro irmãos, que crescem em um povoado que vive da mineração no deserto do Atacama, no Chile. O principal prazer de Maria é ir ao cinema com a família aos domingos, quando um talento incomum aflora nela: mais do que assisti-los, Maria surge como uma opção a pobreza local ao narrar as histórias em público, e que passa a ser uma fonte de renda para seus pais. A Contadora de Filmes, no entanto, não se interessa em contar apenas a jornada acidentada desses seis personagens, mas principalmente a história do país e seus desdobramentos políticos ao longo de três décadas. 

O que começa com certo fascínio na narrativa que é co-escrita por Walter Salles (ele mesmo!) aos poucos ganha um ar episódico típico de uma adaptação literária. O que deveria ocupar a tela de maneira robusta, apresentando um quadro mais amplo em relação ao que quer que seja seu foco momentâneo, perde a força ao se distanciar de um tratamento conjunto. Não raro isso costuma acontecer em títulos cujo espaço-tempo se assemelham a uma saga, como é o caso aqui; A Contadora de Filmes não consegue determinar seus pontos altos, e acaba por elencar todos em cena. O que era pra ser um tomo único, e ao mesmo tempo abrangente, soa menos inspirado do que aparentava ser. 

De qualquer maneira, o próprio tom do filme se afasta muito do que Scherfig tem por hábito entregar. Ao invès de ler sua personagem central e tentar fazê-la se aproximar do que vê e ousar capturar o entendimento das coisas, Maria parece contentar-se em ser testemunha dos eventos, cujo exemplo máximo é o momento onde ela sai em busca de uma personagem central que tinha saído de cena, e ao reencontrá-la, a personagem escolhe evadir de cena. Toda vez que a protagonista impõe sua vontade, sua impetuosidade, A Contadora de Filmes cresce em pontos assertivos, tirando as características passivas que acometem a personagem em grande parte do tempo. 

O teor melodramático da obra não é um problema a priori, afinal de contas estamos tratando de um subgênero que é forjado na América Latina. Passa a sê-lo quando não há lógica indiscriminada para os eventos que o tornam parte integrante de tal movimento, carregando em cores em determinados momentos, enquanto em outras cenas, onde pedia tal peso, o campo se mostra despreparado para tal. Isso aliado a extremos de uma jornada que vai além da comunicação saudável com a obra mais famosa da diretora, consagrada por Carey Mulligan, e A Contadora de Filmes não se monta como um programa coletivo. Entretanto, quem se diverte com o teor de uma boa telenovela, vai admirar-se de verdade com o que vemos. 

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