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 Agreste pela primeira vez uma fábula sertaneja para uma tragédia de proporções contemporâneas

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Já faz mais de um ano que me encontrei com Agreste pela primeira vez, no Cine PE do ano passado. De lá pra cá, o filme rodou outros festivais, e sua atmosfera que vai da fábula sertaneja para uma tragédia de proporções contemporâneas, passando pela tentativa de emular um realismo geográfico e emocional, extravasou os conceitos de festivais. Quem o viu comentou sobre ele, e quem não, também, levando questões sociais importantes e delicadas para o centro da discussão. Diante dos muitos apontamentos que podem ser feitos diante da obra, seu lugar foi questionado e suas qualidades mitigadas. Criou-se então um lugar de aplicação: o julgamento moral de uma obra esbarra ou não em seus valores artísticos, ou tais situações são mais interligadas do que poderíamos colocar?

O filme é a estreia na direção ficcional de Sérgio Roizenblit, que tinha realizado o emocionante documentário O Milagre de Santa Luzia anos antes. O filme é uma adaptação da premiada peça homônima de Newton Moreno, que também escreveu o roteiro junto a Marcus Aurelius Pimenta. Logo, a autoria de Moreno tem relevância singular para a obra, ele também pernambucano como sua narrativa. É perceptível a vontade de situar o olhar para uma realidade não-sudestina, e tentar centralizar dentro do cinema um espaço que não recebe muito tratamento imagético que se mostre eficaz em radiografar o espaço, as sensações, o tratamento do sertão do Nordeste. Aqui, essa preocupação é evidente e o filme tenta não fugir de uma verdade estética e sensorial desse recorte. 

O primeiro segmento de Agreste não tem diálogos. É quando somos apresentados a Maria, jovem prometida a um casamento sem amor. Quando Etevaldo chega ao seu vilarejo, a paixão entre os dois fornece a coragem necessária para fugir dali. Após essa sequência, passamos a acompanhar o segundo momento do casal, onde eles já se encontram em outro ambiente, tentando sobreviver à desconfiança dos que os rodeiam. Os conflitos que nascem da chegada dos dois a esse novo povoado são construídos com cuidado e atento aos detalhes, que vão tornando-se mais evidentes ao olhar do espectador, revelando mais do que era esperado até ontem. 

A partir do princípio que o filme estabelece seu universo, o espectador apreende com certa facilidade sobre o que Agreste se apropria, enquanto argumentação de mensagem. A ausência de diálogos dos 20 minutos iniciais deu a dica, e o que seguimos assistindo é uma representação cada vez mais simbólica dessa falta que pode fazer surgir beleza ou uma crescente de ódio inexplicado. A falta de interação entre os seres é o que promove o desconhecimento e a falta de empatia que geram a quantidade de violência e medo disseminado entre os que não se abrem para o que está disposto a florescer. 

Isso leva ao ponto nevrálgico de análise de Agreste, que abdica de questões de representatividade mesmo pedindo compreensão alheia. Ora, se a própria direção parece não coadunar com o que seria sua espinha dorsal, como o espectador pode respeitar a visão de Roizenblit? Um daqueles casos onde parecemos ouvir “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”, o filme vende uma moral que parece não ter sido assimilada por quem o realizou. Uma pena que um filme tão cheio de acertos estéticos (a fotografia de Humberto Bassanello é tão cheia de camadas dentro de sua proposta de representar o sertão nordestino) não tenha percebido que lhe faltava a abraçar a compreensão que sua conclusão pede como reflexão. 

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