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Arca de Noé e o fascínio por uma passagem bíblica

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Em 1980, Vinícius de Moraes, um dos nossos maiores músicos e poetas, lançou uma obra que se tornaria um clássico instantâneo: “A Arca de Noé”. Pensado como um compêndio de poesias musicadas para o público infantil, o projeto transformou-se em programa de TV premiado e interpretado por grandes nomes da MPB. Parte dessa obra, é de onde parte a adaptação que o diretor Sérgio Machado faz em sua estreia na animação, em Arca de Noé. A base das ideias do filme não poderiam ser mais acertadas, e do olhar para a realização, igualmente acertadas são os pontos levantados. Rodeado por profissionais de talento inegável, Machado consegue uma produção cujo material estético impressiona. 

Arca de Noé é co-dirigido por Alois Di Leo em sua estreia em longas, e estamos falando de um filme cujo resultado não parece ser condizente ao de “estreantes”, em suas posições especificamente. O resultado é conjunto entre todos os envolvidos, e cada área técnica consegue suprir os padrões ideais, sem levar em conta que estamos diante de uma produção brasileira em animação. Ainda não temos uma tradição no segmento, e isso só consegue mostrar o espanto que foi encontrar as marcas que a animação geralmente apresenta. Como um projeto de proporções populares, o que vemos de acabamento e colorização do filme mostra uma complexidade de texturas e diversidade pouco vistas antes. 

São esses predicados, os que ficam mais aparentes, que mostram o potencial do filme em se tornar um próximo campeão de bilheteria brasileiro; isso não pode ser exclusivamente decidido pelo marketing e pela visibilidade crescente da obra. O que Arca de Noé também tem é esse fascínio por uma história que é universal pela passagem bíblica (ou seja, ainda capitaneia o público que atualmente parece mais interessado em produções de cunho religioso), e que invade um espaço tradicional da animação, que é o investimento no gênero musical. A forma como a narrativa se abre a isso não poderia ser mais oportuna – e que também está em um sucesso como Sing – ainda que o desenvolvimento de suas ramificações parecem não corresponder ao que se apresenta, onde aos poucos percebemos os deslizes. 

Na obra base, não havia uma dramaturgia que conectava as músicas a uma linha de raciocínio da época. Logo, o roteiro de Machado (com a colaboração de Ingrid Guimarães e Heloísa Perissé) precisa criar um elo entre a fábula ancestral com a Bíblia como origem, e um argumento onde as canções imortais sejam defendidas em cena. A partir desse momento, tudo se torna abrupto e providencial, desde a criação de um concurso de música até os planos do vilão do filme dentro da arca. São situações que mostram que Arca de Noé ainda precisava de novas versões do roteiro, e onde prevalecesse uma onde as situações e personagens não sejam abandonados por força das circunstâncias. 

Narrativamente falando, Arca de Noé incorre nessa descontinuidade de suas ideias. O que é apresentado nem sempre é concluído, e o excesso de personagens não ajuda na tarefa; não sabemos o que é considerado importante pelo roteiro para manter em cena e o que pode ser descartado. Além disso, o filme se apoia em um concurso de música para sustentar as grandes canções que precisam que sua execução aconteça, e o que vemos é que grande parte delas é suprimida em sua duração. Ou seja, o filme parece seguir a onda hollywoodiana de ter vergonha de ser um musical, aqui e ali, e esse é um dos elementos que mostram que um filme precisa ir além de sua embalagem. 

A sorte aqui é que sobra sedução na forma como o filme se apresenta, e em como principalmente para as crianças essa mágica funciona. Com um time de dubladores fora de série, onde se destacam a presença dos protagonistas Rodrigo Santoro e Marcelo Adnet, além do esforço que Lázaro Ramos empreende no seu trabalho, Arca de Noé ultrapassa seus problemas, ou ao menos consegue conviver com tais. O jogo é, certamente, ganho, no fim das contas, mesmo que os problemas sejam perceptíveis. Elencar a contemporaneidade no jogo (como as citações à diversidade sexual, ao culto às celebridades, …) compõem um painel interessado em dialogar para longe do que está acontecendo, sem deixar de tentar levar ao espectador a experiência catártica que é sua própria realização. 

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