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“Hilda e Freud” navega pelas águas da Psicanálise com catarses da História

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Ao findar as filmagens de “Aguirre, A Cólera dos Deuses” (1972) no Peru, o alemão Werner Herzog declarou à imprensa sul-americana, ainda nos arredores da selva amazônica, que seu foco como contador de histórias são os limites da lucidez que uma pessoa pode cruzar no curso de suas vivências, num processo em que, segundo o cineasta, viver é criar. “Loucura vira estética quando alimenta potências”, disse o realizador em entrevista no Festival de Cannes, enquanto lançava Uma História de Família (2019). Essa zona fronteiriça tênue apontada por Herzog entre o que é translúcido e o que é materializado (em palavras), na criatividade do viver, sobretudo no viver artístico, vira fricção… e ficção (biográfica)… nos palcos do Rio de Janeiro num espetáculo com alma de colóquio e corpo de performance em “Hilda e Freud”. Qual um zé-pereira freudiano, o psicanalista Antonio Quinet brinca de tudo (à vera, a sério) nesse jogo parte semiótico, parte poético, com um pé em Tebas: fez o texto, comanda debates ao fim das apresentações, atua e assina a direção, numa mise-em-scène em duo com Regina Miranda, uma grife de excelência nas instâncias coreográficas da dança. 

Hilda e Freud

Sua carpintaria teatral é bem pavimentada, demarcada verbalmente sobretudo na frase “Até amanhã!”, repetida várias vezes em cena qual um metrônomo, chegando a extrair riso nervoso em momentos climáticos. Sua natureza expositiva, de Ágora, é fundada sobre as estacas firmes da História, em informações factuais e (a partir delas) em digressões analíticas. No leito de sua dramaturgia correm águas epistolares e literárias. 
O que se vê brota de correspondências e de escritos da poeta americana Hilda Doolittle (1886-1961) acerca de suas sessões com o Pai da Psicanálise, o austríaco Sigmund Freud (1856-1939), na inflamável Viena dos anos 1930. Tudo corre ali no espocar do avanço hitlerista por terras germânicas. Juliana Teixeira interpreta a autora, que se angustia diante de impasses em sua produção textual. Quinet vive Sigmund. 

Eles não se cruzam de cara na encenação. Quinet, em desempenho elegante, abre os trabalhos num introito informativo, na qual seu personagem faz um balanço do tempo a retratado, com seu zeitgeist à tona; cartografa sua coprotagonista, pontuado passagens fulcrais da vida de Hilda; e acomoda o público (sobretudo o leigo nas malhas da talking cure) acerca da missão (isto é, da ventura) do ofício (ou arte?) de ser psicanalista. Juliana aparece na sequência, a corporificar as memórias, o gestual, os soluços, as reinações e as ruminações de uma barda por trás de versos como “A luz passa/ de crista em crista/ de flor em flor -/ as hepáticas, abertas/ sob a luz/ vão sumundo -/ as pétalas de introvertem,/ as pontas azuis se curvam/ ao mais azul do seu âmago/ e as flores se perdem”

Num ponto da montagem, a dupla se cruza e a terapia começa. O público, mais do que ser testemunha daquele divã em chamas, acaba por se deitar nele, numa identificação, numa catarse, numa polução coletiva do prazer que o “canto de bodes” (como a tragédia é chamada). Hilda não é representada por Juliana de modo trágico. Aliás, trágica é a condição de toda a Humanidade numa Era de extremos. 

O supracitado Herzog, ao falar da predisposição animal a práticas predatórias, aquelas que as normas civilizatórias (e os verbos) só disfarçam, dizia que é preciso observar a Natureza para encontrarmos poesia, pois é só no poema que os sons e as fúrias dos Macbeths que vivem em nós transbordam e se sublimam. “Os espetáculos todos brotam da Natureza”, alerta o diretor de “Fitzcarraldo” (1982), ciente de que filmes são poemas; peças, também. Não é por acaso, portanto, que a simbiose ritualística entre analista e analisando de “Hilda e Freud” é calçada num paredão de imagens de pólipos e flores a desabrochar em vídeos ao fundo.

De cada corola sai uma descoberta. Por entre pétalas, Quinet e Juliana fazem do palco uma caravela para nos levar a descobrimentos por mares ainda não tão navegados da letra freudiana… e das artes cênicas.      

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