- Publicidade -

O Clube das Mulheres de Negócios: Anna Muylaert retorna às comédias de caráter mais tropicalistas

Publicado em:

Já fazem oito anos desde que Anna Muylaert lançou seu último longa de ficção (Mãe Só Há Uma), e isso faz o lançamento de O Clube das Mulheres de Negócios ter um sabor ainda mais especial. O segundo é o retorno da diretora de Durval Discos às comédias de caráter mais tropicalistas, como era a sua estreia, e que aqui encontra uma ideia ainda mais aguda. Definitivamente esse não era o filme esperado pelo público para a volta da diretora, mas não há como negar que existe uma liberdade experimentada por ela aqui que não estava sendo administrada em seus últimos filmes. Não sabemos se essa seja a verdadeira face de Anna, mas desconfio que seja um habitat natural para ela, que representa um lugar de risco mais acentuado, no qual ela atua com prazer indisfarçável. 

O Clube das Mulheres de Negócios

Após o sucesso internacional de Que Horas Ela Volta?, é como se Anna não pudesse voltar a flertar com o que lhe formou, em curtas e longas. Depois de conseguir seu maior sucesso entre os dramas naturalistas, é como se a diretora pudesse apenas reencontrar esse lugar repetidas vezes, de maneira confortável. O interesse da diretora, no entanto, é a provocação, é olhar para o país e perguntar porque as coisas precisam ser desse jeito, em formato compreendido. O Clube das Mulheres de Negócios é o avesso da fórmula, para ela e para o cinema brasileiro, de qualquer período. Vide os mais de vinte anos que nos separam de sua estreia, e o espectador ainda se encontra tateando as questões levantadas por um cinema que tem gosto pela marginalidade, como aqui. 

Isso não está exatamente na mensagem que é estabelecida, e sim na picardia da forma como é feita. As cores que brotam de cada imagem, e o que cada superfície ali representa, no tipo de humor sem vergonha que salta das atuações e diálogos, e no campo de ideias imagéticas que são conectadas. Tem a ver com uma herança setentista de observar o mundo, e a maneira como ‘as coisas estão indo para o brejo’, para lançar mão de uma expressão da época. O Clube das Mulheres de Negócios tem uma visão política que agrega todas as experiências anteriores de Anna, mas poucas vezes ela foi tão abertamente feminista como aqui. De maneira ingênua ou não, a intenção da autora é de incomodar setores sociais que pregam o bom gosto e o bom mocismo, a aceitação de uma curva de valores e uma fatia de pensamento que tenta nos colocar cabresto. 

O mote nem é exatamente novo, embora talvez o público médio ainda não tenha visto algo parecido. Eu Não Sou um Homem Fácil, comédia canadense de 2018, aborda um universo semelhante, onde o matriarcado é (sempre foi) a política vigente, e os homens vivem numa sociedade onde a mulher é o gênero dominante, em todos os sentidos. O Clube das Mulheres de Negócios prima pela tática, que permite ao espectador o estranhamento antes da didática: sim, a mulher domina as relações humanas em todos os sentidos, mas isso só é abertamente revelado ao espectador com a produção avançada para além da metade da duração. Como não é exatamente uma estratégia de esconder seu mote, o que acontece a partir de determinado momento pode parecer excessivo em sua dialética, e até repetitivo. Mas existe algum charme macabro na forma como o filme “revela” suas verdades ao público, quase como se fosse um filme de suspense que nós já percebemos antes as armadilhas e a identidade do assassino. 

Porém, o que impede O Clube das Mulheres de Negócios de alcançar o padrão que a cineasta acostumou seus admiradores, é justamente essa pitada de ingenuidade que escapa da narrativa, como se houvesse uma crença absoluta não no futuro, mas no que nos levou ao presente. Sim, os campos estão trocados, mas o caminho é o mesmo e ele foi mais facilmente estabelecido do que deixa escorrer da narrativa o seu roteiro. A insistência na crença de que o espectador não consegue capturar todas as nuances nos leva ao plano final, que não apenas se mostra deslocado, como deixa antever o que pensa a produção do que está contando, quase como se seu olhar fosse mais fantasioso do que precisava ser. 

Eu fico com o filme que escapa pelos dedos de Anna, e que parece mais atrevido do que seu formato quer encerrar. Está na cena da sedução impingida por Grace Giannoukas, no plano radical de Katiuscia Canoro, Maria Bopp e Verônica Debom rasgando a tela com sua vertente do poder recente do país, com o medo verdadeiro que Rafael Vitti imprime nas descobertas que faz, na liderança natural de Irene Ravache e Cristina Pereira diante daquele quadro de crescente caótica.

Com um elenco irrepreensível e um trabalho de construção de planos que nos remete ao que uniu a Tropicália há 50 anos atrás, O Clube das Mulheres de Negócios oferece um jantar atrevido e pouco servido na nossa cinematografia. Isso é o suficiente para compensar seus deslizes? No meu entendimento, sim. Ao menos estamos diante de uma refeição que não tem medo de ousar em suas cores e tendências. 

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
4.310 Seguidores
Seguir
- Publicidade -