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 Sala Escura: Paulo Fontenelle traz proposta metalinguística em longa de terror

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Não existem camadas de entendimento para Sala Escura, mas existem camadas de envolvimento, com isso, a apreciação do filme não se condiciona a elementos externos, mas tornam-se mais difusos conforme a ligação do espectador com o que se filma. Em linhas gerais, sempre poderemos dizer que em qualquer tipo de análise, reside um tom subjetivo, mas no filme de Paulo Fontenelle não foi preciso cinco minutos para que outro tipo de conexão fosse estabelecida. Não estamos diante de um cenário qualquer servindo de ambientação para a obra, mas de um cinema, literal, em 100% do tempo. E mais: não é qualquer sala que a produção apresenta como palco, mas o lendário Cine Odeon, localizado na Cinelândia carioca, um marco histórico para o Rio de Janeiro cinéfilo. 

O crítico de cinema que tenha se aventurado por ali já teria uma abordagem mais sensível ao que vê, um que tenha sido criado entre aquelas paredes, e já assistido ali inúmeros clássicos, observa com emoção o que está sendo disposto, e sua proposta metalinguística. Um dos primeiros planos de Sala Escura é um exato jogo que transforma o que vemos, ao estimular o mergulho do espectador na proposta de se deixar levar pela magia. O cinema já foi personagem de outros filmes, e mesmo os longas de horror já estiveram nesse lugar de estímulo para o assassínio coletivo, mas aqui a morte está intrinsecamente ligada não apenas ao que nós vemos, mas também a uma tentativa de decupar a própria realização de cinema. 

Quanto ao filme em si, independe das sensações que assistir o Odeon protagonista de um filme possa causar, a princípio. Sala Escura é uma produção cheia de ideias curvas, muitas delas fora dos padrões para o público médio, aquele ‘jovem que vai ao shopping e assiste a um filme novo’. Para o amante de terror menos óbvio, há quase 40 anos Lamberto Bava lançava o seminal Demons, hoje um clássico de um dos mestre do ‘giallo’ italiano, co-roteirizado por Dario Argento. Lá, igualmente um grupo ficava preso em uma sala de cinema e, um a um, encontrava o assassino disposto a não deixar rastros pelo caminho – ou vivos. A magnífica e incomum inspiração serve para oxigenar o gênero no país, que a despeito de contar com um gênio como José Mojica Marins na História, parece sempre engatinhar no horror. 

Ainda que muito nos cerque de maneira positiva, Sala Escura é um filme que soa esgarçado em excesso. Talvez percebendo que tal situação não conseguiria ter fôlego para um longa, Fontenelle espicha muitas das cenas com uma apreensão que sai dos trilhos, por ultrapassar o limite de tempo normalizado para cada cena. Então temos o elenco olhando para um ponto fixo durante muito tempo, os atores se olhando durante muito tempo, um silêncio incomum para a situação durante muito tempo, a aproximação entre os personagens durante muito tempo. Em algum momento, isso sai do eixo e começa a parecer artificial, sem qualquer razão de existir e sem muita explicação, é apenas o tempo do filme sendo esticado sem motivo. 

Dentro das limitações que o cinema brasileiro abarca, o que Fontenelle consegue esteticamente, tanto no campo geral quanto nas cercanias do gênero, é uma prova de bravura. Obviamente um título de baixo orçamento, Sala Escura mostra suas possibilidades através de cenas muito críveis, quanto o primeiro crime explícito. Ou seja, os problemas do filme não são exatamente de ordem estética, mas acerca de decisões narrativas e de um lugar equivocado no que seria a construção da tensão, que escapa do limite compreensível. Mais do que sua incursão anterior no gênero (Inverno), dessa vez o diretor encontra pontos positivos que mostram que sus capacidades ainda podem ser apreciadas. 

O elenco de Sala Escura segue alheio aos estereótipos prestados nas convenções do clichê. Osvaldo Mil e Danilo Moura fazem excelente trabalho, menos óbvios, e com personagens fora do esquadro comum. É sempre bom rever Luiza Valdetaro, e aqui ela encontra na economia a melhor saída. Allan Souza Lima e Tainá Medina têm bons momentos também, sempre seguindo um campo de neutralidade, em tempo que Paulo Lessa e João Vitor Silva têm tipos mais expostos e sacrificados. No entanto, todos estão bem em seus lugares estratégicos para fazer a narrativa caminhar. 

No meio dos problemas de Sala Escura, no entanto, vêm à tona os caminhos por dentro da metalinguagem que o filme propõe. Um grupo de pessoas que assiste, de maneira estática, o horror acontecer à sua frente, sem tentar salvação ou alguma ajuda lógica, como se estivessem assistindo um filme de maneira passiva… e estão. É como um jogo onde o diretor mostra o tempo todo ao espectador que participamos de um experimento, espectadores (de dentro do filme) e espectadores (nós). Não é comum essa tentativa tão arriscada de caminhos dentro do gênero no Brasil, mas Fontenelle, entre erros e acertos, banca suas tentativas com algum charme. 

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