- Publicidade -

O Auto da Compadecida 2 é uma fábula à bordo do mais puro espetáculo

Publicado em:

Vinte e cinco se passaram desde o lançamento de um clássico moderno do nosso cinema, O Auto da Compadecida. A essa altura, não sei dizer realmente se ninguém queria rever Chicó e João Grilo, uma das amizades iconográficas da nossa filmografia, mas desconfio que essa dupla é querida o suficiente para que qualquer má vontade prévia seja colocada de lado mais rapidamente que o normal. Se fomos pegos de surpresa quando do anúncio oficial, parece que o tempo passou rápido demais, e a estreia de O Auto da Compadecida 2 acontece cercada de expectativas dúbias. Literalmente, todos os textos analíticos a respeito da produção terão a pergunta em questão: precisava? A essa altura, o olhar deveria tentar capturar outras curvas da decisão, para não se fechar na implicância óbvia de quem está disposto a reclamar.

O Auto da Compadecida 2

A obra original de Ariano Suassuna já foi completamente adaptada, sem restar qualquer possível nova versão. No entanto, Guel Arraes já se provou como um amante do autor paraibano a ponto de conseguir aproximar uma possível inspiração de suas ideias ao olhar tão simbólico para a atmosfera que o autor imortal criou. Nesse sentido, O Auto da Compadecida 2 é um amálgama entre a mais singela homenagem, ao retrato de um artista maior, com uma repetição talvez um pouco exagerada para caber tantos fatores. O que se apresenta então é um produto que não pretende elucidar novas camadas em torno desse lugar já experimentado, e sim revisitar um outro tempo do Brasil – o do passado recente e o do passado histórico.

Originalmente filmado em Cabaceiras, sertão da Paraiba, o filme original deu ao seu cenário um caráter histórico. Assim sendo, muitas de suas características originais foram perdidas, e esse é apenas um dos acertos em filmar tudo em cenário artificial, na intenção e no resultado final. O Auto da Compadecida 2 está ainda mais aproximado da fábula, como se fora um projeto perdido no tempo, uma cápsula encontrada a bordo do mais puro espetáculo. Como estamos diante de um roteiro que, embora tenha méritos de desenvolvimento, ainda repete muitas situações do mesmo, o filme busca dar a essa nova roupagem um reforço no lúdico familiar que é inerente à obra original. O resultado é apartado do original em seu relevo, mas absolutamente condizente a um discurso de recauchutagem, sem perder o afeto e os quilos de humor. 

Certamente, uma fatia de O Auto da Compadecida 2 é absolutamente original, e serve para tentar contrabalançar a “nova paixão de Chicó filha de um coronel”, entre outros repetecos. Aliás, o pano de fundo político é esse lugar da novidade, que convida João Grilo para um lugar de cabo eleitoral que se avoluma com a narrativa e passa a cobrar espaço político entre dois políticos locais. Esse apetrecho não somente é desenvolvido de maneira deliciosa, como seu olhar é muito conectado ao que Suassuna faria com sua cara. Como os outros causos do filme, é uma situação que poderia ser resumida a mais uma história fantasiosa do Chicó, exatamente como no original. Existe, no entanto, muita vida nas proximidades de tudo que é inspirado pelo autor.

Entre os convidados desse reencontro, o público tem muito interesse em reencontrar a magia que se fez presente ao lado de Selton Mello e de Matheus Nachtergaele. Ela está lá, intacta; é emocionante acompanhar suas novas interações, e compreender que esse laço é indissolúvel. Especialmente Nachtergaele ter saído do dia seguinte do fim das filmagens do original, um trabalho que não só é invejável, como também impressionante. Com um elenco irrepreensível, observamos integrantes originais encontrarem adições luxuosas, como as de Luis Miranda, Eduardo Sterblitch e um irreconhecível Humberto Martins. Quaisquer que sejam as cenas que os unem, e notamos um empenho fora do comum para concluir com tudo acima da média; pra mim, de verdade conseguiu.

Quando cito a má vontade coletiva que vai consumir a crítica dos colegas em relação ao filme, é porque acho injusto que um filme tão gracioso seja tratado com uma cobrança elevada a um filme pelo seu anterior. Não é questão de ser melhor ou pior; simplesmente passaram-se 25 anos para tudo que vemos. O resgate de um cinema nacional folclórico com suas lendas e seus mitos pessoais, que conta com uma direção de arte exuberante, mostra-se um objeto para tentar devolver ao espectador todo carinho que originalmente foi designado para o filme. ‘O Auto da Compadecida 2’ é um presente sincero, com segundas intenções (é lógico), mas que entrega ao público afeto e nostalgia. 

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
4.310 Seguidores
Seguir
- Publicidade -