- Publicidade -

A Semente do Fruto Sagrado, filme iraniano candidato ao Oscar, chega aos cinemas

Publicado em:

Existe uma criatividade de direção em A Semente do Fruto Sagrado que acompanha os passos da narrativa quase ininterruptamente, porque trata-se de uma produção iraniana (de cinematografia demasiadamente naturalista) com as pitadas do melhor que o clássico narrativo pode proporcionar (graças à porção alemã que tambèm cabe a produção). Desde as imagens iniciais, onde o papel central masculino corre em silêncio por uma via de agradecimentos graças ao desejo alcançado, passando pela descoberta de uma horda de “homem de papelão” que adentram seu cenário particular, existe um significado para tudo que se vê, tenha origem narrativa ou imagética. A construção de um sentido de tensão que advém de uma sociedade opressora é conseguido graças ao empenho coletivo de autor e elenco, e o resultado nunca deixa de impressionar. 

Mohammad Rasoulof ganhou um Urso de Ouro no Festival de Berlim com seu filme anterior, Não Há Mal Algum, que também dispõe de situações diversas oriundas do regime do Irã e a sensação constante de perseguição e injustiça que brota do que vemos. Em A Semente do Fruto Sagrado, a moldura do roteiro é sedimentada pela pincelada inicial acerca da planta do título, uma espécie de parasita de seus pares. Com esse aval a respeito da presença daninha de certos comportamentos em determinado momento mesmo entre pessoas cujo laço moral é sanguíneo, o filme se desenvolve como uma observação atual dos eventos do país, que eclode em conflitos civis em busca de uma mudança, acima de tudo, de mentalidade. 

Só que o posicionamento de Rasoulof em relação ao seu entorno é o de constante e reiterativa crise moral, que adquire um rosto a partir do conflito entre gerações. O que foi estabelecido no passado precisa não apenas ser revisto, como vivenciado sob novo prisma. A Semente do Fruto Sagrado parte de um olhar enxuto sobre a sociopolítica de um Estado, através da intimidade de uma família de predominância feminina, ao acompanhar a sonhada promoção de um juiz e as consequências que são exacerbadas com a sua posse. É um microcosmo percebido de maneira muito poderosa pelo desenvolvimento narrativo, que transforma seus lances em uma espécie de jogral de perguntas e respostas a respeito da contemporaneidade. 

De caráter a princípio naturalista, explorando as melhores características do que conhecemos da filmografia iraniana, tenho a impressão que a influência da co-produção europeia retira do filme essa textura humana, para em seu terço final abraçar um novo modo de realização. Em mais de duas horas de projeção, vemos a paranoia gradativamente afetar toda uma família que se ressente de perder seus lugares de privilégio – em qualquer que seja a instância. É algo tão milimétrico de afinação, como o melhor cinema que o Irã já entregou para os espectadores, que ao primeiro sinal de desacerto o filme ameaça se desmontar. Antes disso, porém, o jogo de aprisionar moderadamente quem se ama vai tornando-se cada vez menos suportável, e o que tinha viés de aceitação é moderadamente quebrado, até a reação histérica do roteiro diante dos acontecimentos. 

O que era então sutilmente opressivo, tirando as melhores opções dentro das muitas impossibilidades de se produzir audiovisual no país, e conjugando entre espaços cada vez mais claustrofóbicos de explorar o roteiro, acaba exteriorizando em demasia suas intenções. O que era anteriormente calcado na filigrana, no terço final acaba por ocupar espaço estridente de eventos, sem elaborar ganchos de ação. A Semente do Fruto Sagrado adquire o que de melhor (e também o de pior) o Ocidente pode oferecer a uma construção de conflitos, desenvolvendo ‘plot twists’ vazios e sem muito questionamento, apenas pelo prazer de surpreender. Quem perde com isso é a assertividade narrativa, ao passo que o cinema de gênero, quem diria, está efervescendo… mas há um descompasso nesse terço final. 

Nada disso é perceptível pela qualidade do quarteto de protagonistas, que exibem um trabalho coletivo acima da média, e que possibilita que o escorregão do terço final ainda consiga exibir vigor. As quase três horas de duração de A Semente do Fruto Sagrado poderiam ter sido enxugadas, sem qualquer perda de qualidade de desenvolvimento, mas seu autor parece deslumbrado com as possibilidades de um esteta. Em meio a esse decréscimo do final, o impressionante desfecho nos faz a reconexão com a maior parte do visto, mais um trabalho de maturidade para uma filmografia invejável. Com as opções cada vez mais lúgubres conforme avançam os tempos, o fim agridoce torna a produção um capítulo sem par do país.  

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
4.310 Seguidores
Seguir
- Publicidade -