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Viva a Vida: Cris D’Amato faz comédia com reflexão

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Acima de todas as coisas, é preciso exaltar a coragem de Julio Uchoa, produtor de Viva a Vida, que foi convidado pelo governo de Israel para contar uma história que fosse ambientada no seu solo, e ele não somente aceitou, como viu em Cris D’Amato a capitã ideal para tal viagem. Com o roteiro sendo escrito por Renata Klein, uma atriz, comediante e escritora das mais especiais de sua geração, foi criado um espaço para que não apenas um filme de humor leve entrasse em cena, como uma exploração extra envolvendo o feminino fizesse sentido. O que é descortinado, a partir do princípio, é uma busca incessante de mulheres de diferentes idades e gerações fazem por um sentido na vida, por encontrar seu lugar no mundo, e um lugar que não fosse inabitado, ou inóspito e hostil. O foco principal pode ser as buscas distintas de Jessica e Rava, mas isso se alastra pelo discurso do filme – em que lugar e em que momento tudo fará sentido?

O que Viva a Vida poderia realizar de melhor, tendo em vista que se trata de um projeto encomendado, é transformar seu palco em um espaço de amor e compreensão gradativa, onde as saídas para os problemas não deveriam ser fugir e se esconder, muito menos criar mágoa ou ódio. Ao menos o papel da ficção em momento complicado é, aqui, não o de promover entretenimento escapista e vazio, mas de sutilmente mostrar a reflexão como ponto de análise, e a troca de diálogo como o agente acertado para a resolução. Não sei se a intenção de Klein era colher olhares tão a fundo em questões que estão gerando uma guerra inimaginável, mas sua compreensão de resolução não poderia ser mais acertada. E que tem alguma dose de coragem na hora de construir tal roteiro, que encontra outras formas de ser político. 

Pela primeira vez, D’Amato se encontra com uma reflexão mais aprofundada. Não há mal algum em entregar entretenimento ao público, esse inclusive é um modelo de mercado digno e que deveria ser visto sem vergonha ou possibilidade de acusação. Mas a análise precisa ir além, porque Viva a Vida não deixa de entreter bastante, porém a direção de D’Amato não infantiliza o que é mostrado. Em meio ao tradicional escopo persecutório que seus filmes costumam apresentar, seus tipos aqui utilizam tal estratagema para olhar pra si, e enxergar o que ainda não tinha sido notado. Não é como se Woody Allen tivesse seu momento ‘bergmaniano’, mas é o suficiente para realçar as cores de uma cineasta que não pretendia correr riscos. Existia um caminho fácil, na qual a diretora de S. O. S. Mulheres ao Mar conseguiu transcrever dentro do esperado. Com o olhar renovado, é necessário que o público também se reconfigure a ela, agora alguns degraus acima. 

O resultado é um filme até errático no que concebe se tratando de mise-en-scene, mas é injusto não atentar para essa evolução da cineasta e a sua genuína vontade de se abrir para o novo. Em meio ao ritmo frenético que ela impõe, agora existe o espaço para uma certa solutide providencial. Sem abrir mão de uma assinatura, Viva a Vida é um pequeno rasgo de uma mulher que se mostra inquieta. A óbvia percepção de que existia uma necessidade ao projeto de situações introspectivas, D’Amato providencia ao seu novo filme esse contexto emocional, e desde o início. Não é uma propensão que o filme não banca, e isso fica claro em toda a abertura particular de Jessica, vivida por uma Thati Lopes com sede. Com a inteligência que uma excelente comediante tem de seu entorno, a atriz compõe uma base para sua personagem que permite qualquer discurso futuro, sem parecer vago. Jessica tem uma melancolia muito de cara que emoldura o início e serve de alicerce para o que estará em cena, logo avance. 

Além de Lopes, Viva a Vida tem outro trunfo, um de realce ainda mais brilhante, que eleva o que vemos: o casal formado por Regina Braga e Jonas Bloch. Não é somente pelo fato de que estamos diante de dois veteranos colossais, mas de perceber o quanto nosso mercado é restrito, e sem qualquer motivo. Como uma criança noveleira que fui, encontrei com ela pela primeira vez em “Deus nos Acuda“, ele me impressionou de cara na infância como o vilão cheio de ambiguidade de “Corpo Santo“. Aliás, o cinema ainda deve uma carreira a ela, já ele esteve em vários clássicos. Com Bloch aos 85 anos e Braga prestes a completar 80, o que mais impressiona de cara é essa fúria por desbravamento que salta dos olhos de ambos. Vai além do simples ‘a química que eles têm’, porque suas performances exalam carinho e doação, acima de tudo. São dois artistas que parecem ainda longe de seu clímax, e com tesão pela profissão e pela arte. Deveriam obrigatoriamente estar em escalações contínuas, mas se eles ajudam ao prazer nunca escapar do filme, temos que agradecer.

Apesar dos amores, existe, como já dito, esse olhar para a desconstrução da necessidade de liberdade da mulher em qualquer que seja a faixa etária que imprime em Viva a Vida uma nota de rodapé crescente. Em pleno 2025 e sim, mulheres ainda precisam se sentir sem permissão para lidar com o seu corpo e os seus desejos e as suas angústias; não podem expor, e se possível, nem podem sentir. Existe um mundo para dominar, e para cuidar – não!, diz D’Amato e Klein. Em busca de encontrar sempre um lugar no mundo que seja mutante, a ideia do filme é de nunca se manter estática, nunca se render ao injusto e ao conformismo. Explorem, cresçam, chorem, dancem, vibrem, amem, façam tudo que estiver ao seu alcance, sejam suas melhores versões… vivam suas vidas! 

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