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Família: Novo filme de Xavier Legrand revela traumas do passado

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Como o clássico dos irmãos Coen, Onde os Fracos não Têm Vez, mostra, a violência é uma doença que corrói socialmente tudo o que toca. O abuso doméstico é um dos mais aterradores casos de violência, porque trata-se de um extremismo criminoso contra pessoas que você, em tese, prometeu amar, cuidar e proteger. Nos últimos anos, filmes como Custódia tentaram mostrar essa situação de uma forma onde o cinema de gênero estivesse presente como formação de gênero. Essa semana, Família chega aos cinemas para ir além do que o filme de Xavier Legrand mostrou, dizendo que as marcas que são impressas na alma causadas pela violência não se encerram. Nunca. 

Dirigido por Francesco Costabile, o filme é baseado em eventos verídicos e conta a história de um núcleo devastado pelo horror. Mais uma vez, e acertadamente, os traumas que são egressos desse tipo de relação familiar se transformam em casos de puro horror, mas que não se encerram na infância. O que Família diz, do início ao fim, é que não há escapatória para a destruição causada, uma vez começada. Então o que pode existir são momentos de aparente idílio, mas que a sombra do mal com que aprendemos a conviver não se apaga nem se encerra com o fim dos atos. Porque estaremos sempre refém do que sofremos, e do que foi moldado em nosso caráter a partir de tais feridas. 

Costabile cria uma atmosfera de instabilidade que perpassa a narrativa, movendo sempre os acontecimentos rumo a uma espiral de tragédia. Não importa para onde os personagens se refugiem, eles serão constantemente encontrados, inclusive pela própria consciência e pelo reflexo do que houve. Assolado pela experiẽncia traumatizante, a fuga de Gigi é na busca por mais violência, adentrando um grupo de práticas neonazistas onde pode desafogar o que corre em suas veias. Família não paternaliza os efeitos do que seu protagonista comete, mas deixa no ar a origem de tal novo ciclo, seja genético ou imposto psicologicamente. A verdade é que, tocado pelo horror, tudo no entorno também torna-se horrorífico. 

Assim como Legrand, Costabile usa da atmosfera para causar dúvida, e na dúvida, se instaura mentalmente os mecanismos da desconfiança em relação a tudo que virá depois, ou através. Não que Família use da sutileza para criar algo, mas assim foi escolhido justamente para mostrar que, mesmo quando se pretende alguma desconexão do trágico, nada pode mudar o que já aconteceu – e marcou. Dessa forma, o filme transporta suas cenas para diárias noturnas à exaustão, e quando não está trabalhando com a noite, o dia encontra-se sempre envolto em penumbra. Um trabalho de direção que coloca seu jovem autor no mapa das promessas em seu segundo longa, e que se mostra interessado em investigações formais por gêneros através de um aparente naturalismo. 

No elenco, temos excepcionais interpretações de Barbara Ronchi (estrela de O Sequestro do Papa) e Francesco di Leva (premiado por Nostalgia), mas no Festival de Veneza quem levou o prêmio de melhor ator foi Francesco Gheghi. Com trabalhos já chamativos em Irmãos à Italiana Laços de Afeto, aqui o jovem ator demonstra potencial para ser um dos próximos grandes astros de sua geração italiana. Principal personagem de Família, ele mostra em cada cena como certas heranças são dispensáveis, mas também incontornáveis. É uma entrega muito sofisticada, porque nunca percebemos se as atitudes de seu Gigi são fruto da compreensão do mesmo, ou de uma fúria latente impossível de controlar. 

O resultado é mais um grande acerto do nosso circuito, mostrando que existe sim uma forma de encontrar grandes filmes nos cinemas que não tenham nada a ver com o Oscar. Ainda assim, uma experiência atordoante sobre os males que o machismo, a misoginia normatizada e a onipotência masculina tem sobre as coisas. Quase sempre para o mal, as decisões tomadas por Homens geram camadas de horror que não têm retorno, e mesmo entre os tipos que não são seus protagonistas, mostram que uma sociedade que pensa mais no efeito que na causa está fadada a perder, sempre. 

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