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 Madeleine à Paris investiga com suavidade a trajetória de um bailarino

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Roberto Chaves, há mais de 30 anos, recebeu um convite. Bailarino na Bahia, foi chamado junto de outros dançarinos para apresentações representando a cultura brasileira em Paris. Convite aceito, nunca mais retornou ao Brasil, tornando-se um artista que exerce inúmeras funções dentro do Cabaré Paraíso Latino, na Cidade Luz. Madeleine à Paris investiga com suavidade a trajetória dessa figura que acaba por montar um universo ímpar dentro de um contexto rico de informações. Dirigido por Liliane Mutti, o documentário mostra um amálgama dessa vida cheia de brilho e brasilidade onde normalmente existe dor e sofrimento. 

Em menos de 80 minutos, Mutti consegue traçar esse quadro para Robertinho, como se tornou conhecido. Ele não exportou apenas a alegria e efusividade dos brasileiros, mas principalmente sua garra e resiliência nos esforços. Com isso, acabou não apenas vencendo sem precisar apelar para a prostituição e o abuso estrangeiro, como criou um caso raro de fortalecimento através de imagens geralmente atreladas ao preconceito. Madeleine à Paris tem uma espinha dorsal que acompanha os esforços de Robertinho e uma equipe incansável que, há mais de 20 anos, organiza um ritual de lavagem das escadarias da igreja de Madeleine. O filme reforça seus laços com a exuberância e apresenta um personagem dos mais robustos, sem precisar chafurdar em mazelas sociais. 

Temos aqui um caso raro de documentário onde, obviamente não se trata de uma versão ‘poliana’ de uma vida que poderia ter resvalado nas muitas formas de crueldade humana, mas que não apenas se concentra nos acertos, mostra como pode sim existir um caminho de acertos. Podemos acusar Madeleine à Paris de pintar um quadro excessivamente positivo dentro de um campo que impossibilitaria uma realidade tão assertiva, mas em tempos onde nos acostumamos a tipos que se provaram em cima de pequenas tragédias, a visão de Mutti é abraçar o que contribuiu para que o artista conseguisse vencer, apesar do que o torna um alvo fácil para inúmeros preconceitos. 

Mesmo sendo um artista da dança negro, envolvido diretamente com o Candomblé, de sexualidade fluida e imagem claramente andrógina, Robertinho é um caso raro de alguém que prefere celebrar as conquistas. Madeleine à Paris é uma maneira pouco comum de lidar com suas vitórias, celebrando-ass sem pudor, ao mostrar o que ainda o torna relevante em solo francês. Mesmo tratando-se de uma clara celebração a um ser humano diferenciado, as imagens feitas por Mutti não deixam de mostrar um fio de sensibilidade ao ampliar o leque de seu trabalho na boate, em grupo que tanto o celebra quanto o mostra como parte integrante de uma estrutura que não o difere de uma máquina, um entre tantos. 

É uma apresentação tão rápida que a celebração em torno dela parece não se preocupar muito em dar curvas a quem se mostra tão vencedor. Não porque deveria ter se permitido à fofoca, mas Madeleine à Paris, na rapidez de mostrar essa chama incandescente de seu protagonista, recusa a mostrar as cinzas que restam de fogueira tão brilhante. Os conflitos do filme então se diluem em meio à beleza do que é mostrado, se resumindo às discussões em torno da realização do cortejo na capital francesa. O excesso de luz coletiva acaba deixando nenhum espaço para que as sombras criem um contraponto ao seu protagonista, o que deixa o longa com um caráter celebratório em excesso, onde não acompanhamos os percalços que possam realçar o topo. 

Ainda assim, a coragem de apostar em temas tão próximos a signos de tristeza, como a homofobia e o preconceito religioso, torna Madeleine à Paris um evento quase único. Com uma longa cena de ‘gira’ no qual o protagonista oferenda comida para os orixás, o filme assim o conecta não somente à sua religião, como cria a base de entendimento de seu mote principal, o agradecimento espontâneo de alguém que aposta na energia positiva para reverberar sua existência. A despeito da ausência de conflito, a escolha de Mutti e seu protagonista em concentrar-se na luz torna o longa em um registro raro de felicidade em meio aos óbvios ‘nãos’ que a vida nos oferta. 

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