- Publicidade -

O Intruso transborda referências à obra de Pier Paolo Pasolini

Publicado em:

Ao receber a notícia de que um filme de Bruce LaBruce tinha sido comprado para a distribuição cinematográfica no Brasil, a primeira reação é uma comemoração genuína que expresse a ousadia de mergulhar em um cineasta maldito. Afinal, O Intruso é seu 15o. longa metragem, e o primeiro a ser lançado comercialmente no país, quando o cineasta acabou de completar 61 anos. Sua controversa filmografia nunca rendeu-se a tentativas de mascarar sua liberdade narrativa, e o preço a ser pago por ir além de um conceito de circuito é o de ser afastado do público final corrente. Independente do que se ache de sua obra completa (que ainda incluem-se outras 15 obras curtas), a picardia que sua visão impõe ao status quo valida a experiência, que não se contenta em sugerir. O ponto de partida de O Intruso transborda referências à obra de Pier Paolo Pasolini assumidamente, mas a homenagem que está aqui colocada vai além de algumas colocações avulsas. Teorema, seu clássico de 1968, não apenas é a espinha dorsal do contexto aqui, como LaBruce mostra que estamos em tempos acertados para uma releitura, à luz dos novos tempos. O elemento desestabilizador não é mais uma figura desgarrada simplesmente, mas um imigrante refugiado com moeda de troca para não estabelecer qualquer favor no Reino Unido. O Intruso reafirma sua bizarra sátira erótico-política de maneira a exacerbar o material apresentado até às raias do exagero fetichizado, em momentos que resvalam para decisões grotescas e propositais. 

À primeira vista libertário ao nos situar no explícito de seus atos sexuais, O Intruso tem a ideia de apresentação ideal, que amplia sua vocação ao erro com a saída do personagem-chave de cena. Até esse momento, mais de dois terços do filme já foram apresentados e seu exagero cabe em cena. Quase usando o lançamento de Parque de Diversões (de Ricardo Alves Jr.) como um trampolim para a exacerbação do que é permitido ou não em uma obra cinematográfica, LaBruce não deseja ter a sutileza ou o cuidado do cineasta mineiro. Sua mensagem aqui é hardcore e o teor das imagens não tem a ver com essa textura, e sim com a falta de bom senso narrativo diante de outro tipo de explicitude. 

Enquanto expõe corpos ao sexo, com requintes em closes que revelam a verdade dos atos, LaBruce também brinca com o propagandeamento das ações no dias de hoje. Tudo é manchete, e tudo é explícito, de alguma forma – logo, em pouco mais de 1 hora, o filme se mantém íntegro à proposta. Mesmo filmando intercursos carnais, o cineasta de Gerontofilia trata seus personagens como marionetes em um jogo de provocação e deboche, com a plateia e com o estado das coisas. A voz em off que abre o filme criticando o processo migratório e a necessidade de abrigo a refugiados é talvez a passagem mais sensorial de O Intruso, para devassar a burguesia dominante nos modelos de sociedade. 

Com meia hora para o seu fim, o arcabouço que levava o filme ao sarcasmo se esgota, restando apenas a reafirmação contínua das ideias, como quando O Pai avança pelas palavras nas ruas, até literalmente ‘comer’ o Capitalismo. Ainda que seja igualmente um desfecho que se inspira no clássico italiano dos anos 60, as muitas adaptações feitas por LaBruce permitia que ele ousasse no desfecho de seu filme, que parece nesse momento excessivamente dependente. O Intruso segue então a toada de seu autor, que não consegue se conter diante de sua temática, até esgarçá-la por completo, deformando o material. Ao não conseguir decifrar novos códigos que se comuniquem com o hoje em seu filme, o diretor parece não perceber o retrocesso em relação ao que apresentava até ali. 

Um cineasta iconoclasta, que não se ressente do que poderia ter feito (porque efetivamente sempre vai além disso), Bruce LaBruce é um ícone na cena queer, e O Intruso é uma obra que não tem medo de ousar ou de errar. Dessa maneira, acaba atirando para mais lados do que existem alvos, e eventualmente algumas balas acertam sua intenção. Tentando se comunicar com um mundo em pleno processo de atraso de análise, ele mostra que ainda existem maneiras de encontrar fúria exagerada mesmo dentro de processos de libertação. Adepto da coragem dos cineastas, me sinto mais contemplado com a ousadia do realizador do que em vias de reclamar de seus excessos.

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
4.310 Seguidores
Seguir
- Publicidade -