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O Melhor Amigo rememora conto de amizade e desejo de Allan Deberton

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Se sempre existiu a movimentação dos cineastas para transformar um curta-metragem de sua autoria em longa, de uns tempos para cá, talvez pela absorção mais fácil do próprio formato (ainda que seja pouca a trafegação), essa liberdade artística a um material pré-existente tem sido mais acessada. Allan Deberton lançou O Melhor Amigo, em 2013, seu segundo curta, e sempre teve em mente que sua história estava pronta para se desdobrar. Agora, doze anos depois, O Melhor Amigo mostra não apenas que Deberton estava certo em rememorar seu pequeno conto de amizade e desejo, como também em expandir aquele universo que parece agrupar muitas representações LGBTQIAPN+, para mostrar uma identidade em frequente expansão. 

O Melhor Amigo

No projeto original, Deberton apresenta um doce encontro entre amigos em clima de despedida. Vão se afastar e isso está claro; nos últimos momentos juntos, a evidente paixão de um não é acessada pelo outro, que vive um sentimento clandestino. No O Melhor Amigo versão 2.0, muita coisa precisava ser acrescida, e com isso a nova produção é uma expansão de uma história que já não é mais tão aparentemente passageira assim. Do curta, o autor aproveitou duas cenas capitais, agora ambas em tom mais suave, e isso é acertado. Porque a urgência de um filme de 17 minutos pode ser espraiada quando ganha mais de uma hora complementar. Ambas formas complexas, o que temos dessa vez é um recorte temporal onde o desejo se expande, mas principalmente o olhar que cada indivíduo tem dos próprios sentimentos e do campo que se abre quando tomamos decisões novas na vida. 

O resultado é um filme que tenta a todo custo não parecer simplório narrativamente. Quando falo isso, não quis dizer que o filme tem um roteiro rebuscado, mas que seus personagens parecem minimamente vivos e atuantes, ainda que representem, digamos, ‘fatias do mercado’. Acredito na coragem de Deberton em ampliar o olhar para tais representações, sem criar um universo estanque. O Melhor Amigo tem sim uma espinha dorsal forte que poderia estar fechada em si – e que serviria como painel emocional de uma geração, e tudo bem. O que está em jogo aqui, contudo, é sua centralidade narrativa, encontrando ecos orgânicos dentro de um campo de atuação menos restrito. Ao contrário do que aconteceu em 13 Sentimentos ano passado, o longa cearense não se fecha por completo ao seu alvo de debate. E também não cria ao seu redor uma gama de apetrechos vazios de organização; existe suculência em seus coadjuvantes, e algum propósito em seus relevos.

Que o filme inclua nesse recorte 2025 uma vertente musical que acople suas situações, é muito acertado, enquanto ‘timing’ e enquanto proposta. Em 2013, uma das cenas-chave é embalada por ‘Pelo Interfone’, sucesso de Ritchie nos anos 80. Agora, Deberton volta a conversar com sua década, e investe em um elenco que não envergonha quando precisa entoar ‘Amante Profissional’, ‘Mais uma de Amor’, ‘Perigo’, onde eventualmente números musicais conseguem trazer ainda mais colorido a um filme vibrante. ‘Escrito nas Estrelas’ é cantada pelo maravilhoso Leo Bahia e ‘Retratos e Canções’ pela Mulher Barbada, do coletivo As Travestidas, intérpretes fora do comum que trazem um caráter quase onírico ao filme, com suas vozes. Outro membro do grupo, Deydianne Piaf, tem um personagem maior no filme, e é um dos vértices do roteiro que parece apontar um norte a ser descoberto pela produção, ao longe do que se deseja, e ainda assim privilegiando outros desejos. Quando percebemos que a ala musical do filme não está presa apenas às canções mas também do formato que é desenvolvido em cenas de coreografia coletiva, O Melhor Amigo mostra que seu diretor é ainda mais especial do que supomos; em meio ao frescor, a ambição. 

No centro do elenco e dessa busca, estão Vinicius Teixeira e Gustavo Fuentes. Através da interação claudicante que existe entre os protagonistas, todos os outros personagens se fazem presente de forma naturalista, quebrando o olhar esfuziante que as cores e o gênero já trazem. O que vemos entre eles, que seus atores mostram com garra, é uma tentativa de recuperar uma química perdida, que está no ar mas não está explícita. Afastados há alguns anos, Lucas e Felipe precisam enfim responder às respostas que ficaram abertas no curta da década anterior. O primeiro retorna ao lugar da sua adolescência para tentar entender o que sente pelo atual namorado, quando encontra o amigo por qual nutriu uma paixão avassaladora e que precisa ser compreendida. Todos os outros tipos do filme, que gravitam ao redor dessa tentativa de casal, tornam críveis as relações humanas estabelecidas em cada encontro, em cada sutileza.

É com o frescor do verão que O Melhor Amigo chega ao circuito, mas um bom verão, e não essa estação que está esturricando os neurônios. É fresco, é jovem, tem sabor de um picolé de fruta, mas não é só isso. Por trás da leveza com que Deberton filma seus conflitos jovens, existe sim um olhar sobre a despedida, e não apenas a mais óbvia. Existem momentos na vida que precisamos deixar para trás mais do que o passado, mas principalmente pessoas e lugares que nos prendem no chão. Essa é a lição que principalmente Lucas está aprendendo durante sua jornada particular, mas que é dividida entre seus principais coadjuvantes. Em um misto de emoções, a última cena do filme está dizendo isso – o futuro está a frente, o melhor é aproveitar cada segundo do que virá sem se prender ao que já foi. 

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