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Pequenas Coisas Como Estas: Atuação de Cillian Murphy é um diamante do mais alto quilate

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Utilizado inteligentemente pelos atores e parças Matt Damon e Ben Affleck como portfólio de luxo para sua recém-fundada produtora (a Artists Equity), Pequenas Coisas Como Estas custou pouquinho (US$ 3 milhões), faturou o bastante para dar lucro (US$ 10 milhões) e ainda abriu uma Berlinale, a de 2024. Não suficiente, saiu de lá com um prêmio, o Urso de Prata de Melhor Atuação Coadjuvante, dado a uma aterrorizante Emily Watson. Seu chamariz maior é a presença (sempre luminosa) de Cillian Murphy, que levou esse projeto para Damon nas filmagens de Oppenheimer (2023). Enquanto concorria ao Oscar, no ano passado, pouco antes de ser (merecidamente) agraciado com a estatueta, ele passou pelo abre-alas do Festival de Berlim badalando este drama ambientado na década de 1980, apoiado no desejo de expor conflitos morais de sua Irlanda natal.    

Um romance homônimo de Claire Keegan, já (bem) traduzido no Brasil (por Adriana Lisboa) e publicado pela editora Relicário, serviu de base a uma narrativa dolorosa, que leva o diretor de TV Tim Mielants para o cinema, com destaque. Cillian e ele são parceiros em “Peaky Blinders”, uma das séries de maior aclamação popular da atualidade. A covalência profissional plena que alcançaram nos sets do seriado foi exportada para o filme que devassa o escândalo das Irmãs Magdalene, também chamado Magdalene Laundries.

O termo se refere a instituições cristãs, majoritariamente católicas, responsável por esconder mães solteiras, em geral bem jovens, inclusive aqueles que engravidaram em meio à prática da prostituição. Tratos cruéis, associados à imposição de uma carga intensa de trabalhos, fez com que muitas moças fugissem desses espaços, operados pela Igreja de modo sigiloso. Essa forma de opressão feminina, que se achava respaldada pelo Espírito Santo, foi denunciada antes pelo cinema pelo devastador “Em Nome De Deus”, que rendeu o Leão de Ouro de 2002 ao ator e realizador Peter Mullan.     

De prosa com a literatura de Claire Keegan, Cillian traz o assunto de volta à tona na forma de um sufocante estudo de personagem, que promove uma autopsia existencialista (e afetiva) da paternidade. A interpretação impecável do astro irlandês, num registro implosivo, detona uma investigação sobre vulnerabilidades inerentes à condição paterna e expõe fragilidades que as imposições sociais inerentes à masculinidade encobrem. A habilidade de amar pela desinência da ternura é uma dela. 

Apoiado na destreza (notável) do fotógrafo Frank van den Eeden em calibrar cores e iluminar em harmonia com as sombras, “Pequenas Coisas Como Estas” viaja até o Natal de 1985, na cidade irlandesa chamada New Ross, onde um frio de gelar a espinha mantém as pessoas em suas tocas. O carvoeiro Bill Furlong (Cillian), respeitadíssimo em sua comunidade, corre como pode para esperar a chegada do Bom Velhinho ao lado da amada companheira e de suas cinco filhas. Seu passado foi penoso (leia-se paupérrimo), o que amplia sua necessidade de valorizar o que construiu e o que ama.

 Ao abrir o galpão de carvão do convento local, numa entrega, ele descobre uma adolescente, Sarah, trancada no local, a tremer de frio. A garota vai dar à luz dali a cinco meses e precisa de um espaço confortável onde se esconder. Bill estranha a necessidade dela de buscar abrigo e conduz a menina de volta ao convento. Lá, ele tem uma conversa com Irmã Mary, a Madre Superiora (vivida nas raias do terror por Emily). A conversa é suficiente para que Bill perceba uma dinâmica repressora. Como (bom) pai, seu primeiro instinto é pensar (e sentir): e se fosse uma das minhas filhas? É o que basta para ele (re)agir, deflagrando um conflito silencioso e discreto que revela, pouco a pouco, vísceras feridas de sua infância e adolescência. 

Na direção, Mielants trafega pelo drama a filtrar excessos e deixar que o silêncio guie a forma como exuma a alma do Sr. Furlong, surpreendentemente, amparado pelo olhar em erupção vulcânica de Cillian. Além disso, a montagem habilidosa de Alain Dessauvage auxilia o cineasta a manter a fervura de um estudo sobre crimes institucionais e negligências estatais, atento sempre ao mal-estar existencial do protagonista. Aliás, estruturando-se em volta dele, o roteiro de Enda Walsh resvala faz alusão a um aforisma de Nietzsche que diz: “endureça-te, carvão, e torne-se diamante”.  

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