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Quando Chega o Outono: Ozon faz um filme sobre as aparências

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Junto a Pedro Almodóvar, François Ozon é o único cineasta não-estadunidense a ter todos os seus filmes lançados em circuito comercial de cinema no Brasil. Esse dado não é irrelevante, principalmente quando lembramos que o país não é uma nação que privilegia o cinema de autor. Ou que percebamos o valor real que Ozon alcança por aqui, o público que amealhou ao longo dos anos, e o fato de que ele não é necessariamente a pessoa mais premiada nos circuitos de festivais, ou em sua própria casa. Seu filme novo está estreando relativamente rápido, apenas seis meses depois da estreia em casa; Quando Chega o Outono é um drama de suspense que se desenrola com minúcia a respeito dos temas que está tratando, que não são leves. 

Mais uma vez, ele trata sobre laços familiares que são esgarçados até a exaustão, deixando seus integrantes à mercê de situações desconfortáveis que acabam por revelar a natureza de suas relações. O que Quando Chega o Outono mostra é o caminho sem volta pelo qual podemos entrar em uma espiral de desconfiança, que não permite que a verdade volte a se aproximar, por conta do rompimento da lealdade. São esquemas que nascem da uma matéria-prima comum aos seus personagens, e remetem a peças de teatro geralmente; na mesma temporada, Misericórdia passeia por lugares afins com mais ousadia narrativa. O que não impede de seu diretor mostrar o potencial das costuras que seu roteiro insiste em potencializar. 

Assim como os melhores filmes do diretor de Frantz Dentro da CasaQuando Chega o Outono é um filme sobre construção do discurso, dentro da narrativa e também fora. Exímio roteirista, Ozon também constrói seus filmes de uma matéria que se vale igualmente do teatro e da literatura. Trata-se de uma ideia desenvolvida a partir de uma fabulação estrutural, que se engendra na forma de contação de uma sequência de histórias, que precisam, aqui, de todas as peças do quebra-cabeça para fazer sentido. É como um mosaico oral, onde cada novo conto se junta ao anterior, para enfim transformar-se em um ponto, no caso de uma discussão moral que é montada através de um grupo de omissões coletivas, que criam um quadro maior repleto de incertezas – e que se transformam nas certezas possíveis.

Essa também é uma maneira com a qual o filme se comunica com o mais recente de Alain Guiraudie, além da presença fundamental dos cogumelos como disparador narrativo. Enquanto lá existe uma devassa correndo por baixo das relações antes mesmo delas existirem, em Quando Chega o Outono o que o espectador não sabe está exposto desde sempre, mas só será apresentado quando o roteiro precisar. O resultado é essa malha de ressentimentos entre duas duplas de mães e filhos, entrelaçadas por uma amizade que pode não resistir às dúvidas incômodas. São proposições que não parecem subtraídas do espectador, para enganá-lo, mas sim movem-se rumo a novo lugar de complexidade e posterior compreensão. Como ao se afastar desse tal mosaico, para só aí conseguir enxergar a figura completa. 

Essa é uma capacidade que se dá nos melhores filmes de Ozon, ou ao menos naqueles onde o piloto automático para entregar algo novo não estava ligado, como aconteceu por exemplo em Verão de 85. A preocupação com a criação do modelo de direção acontece em paralelo com o desenvolvimento pleno do arco dramático. Em Quando Chega o Outono, uma delicada história envolvendo famílias e amigos ao longo de um espaço que não parece se alongar, mas precisa do tempo fora de quadro para se fazer acertado, o tom coloquial é escolhido para que não se deixe de apresentar os valores essenciais do que foi filmado, como na cena onde as amigas Michelle e Marie-Claude tentam se desvencilhar dos acontecimentos que envolvem seus filhos para tentar retomar sua amizade, tanto no caminho para casa quanto na inauguração do bar. 

De todo o elenco, o trabalho de Hélène Vincent (de Uma Primavera com Minha Mãe) quanto o de Pierre Lottin (de A Noite do Dia 12) dialogam entre si em sintonia de uma cumplicidade que nasce de uma admiração mútua, e de uma afirmação que não é explicitada, mas que está na atmosfera. Premiado por sua atuação aqui em San Sebastian, Lottin representa um código de aparências sob o qual a sociedade acostumou-se a desconfiar, julgando antes de compreender. Esse é o mote de onde parte Quando Chega o Outono, um filme sobre as aparências que residem em múltiplos lugares através do que se conta, e de como uma palavra pode valer mais que outra justamente pelo que se construiu para si. 

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