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Prêmio Grande Otelo anuncia Ainda Estou Aqui apenas como homenageado

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Hoje o setor cinematográfico acordou com a notícia de uma homenagem, digamos, complexa. A Academia Brasileira de Cinema anunciou os primeiros homenageados da próxima cerimônia de entrega dos prêmios Grande Otelo, edição 2025. Por motivos que, a essa altura, abdicam explicação, Walter Salles e Fernanda Torres receberão homenagens especiais, em reconhecimento a tudo que aconteceu, da vitória no Oscar ao Globo de Ouro de melhor atriz, igualmente inédito, passando pelo prêmio de roteiro no Festival de Veneza e os quase 6 milhões de espectadores, entrando para o top 10 na História. Tudo isso seria incrível e merecido, se dessa forma (e por essa forma), Ainda Estou Aqui não fosse impedido de ser indicado a qualquer categoria do prêmio, quase se tornando hors-concours de maneira compulsória. 

É bom deixar claro que o filme tinha sido inscrito para as indicações do prêmio junto com outras 345 obras audiovisuais, entre longas, curtas e séries. Ou seja, havia o interesse dos seus produtores em integrar a edição do prêmio, para reconhecimento desse filme que já atingiu um caráter histórico por inúmeros motivos. Ou seja, não existiu da parte de seu realizador ou sua protagonista a intenção de serem vistos como ‘café com leite’ na disputa. A decisão, anunciada como unânime pela direção da Academia presidida por Renata Almeida Magalhães, foi festejada somente dentro do seu quadrante. O efeito externo foi devastador, e com justiça. 

As redes sociais receberam a notícia da pior forma possível, e os comentários não fazem qualquer menção a tal homenagem, que se imaginou elogiosa por alguém. A verdade é que não há qualquer justificativa plausível que torne tal atitude algo como compreensível; as impressões que passam são as piores possíveis, e os motivos tem toda a cara de decisão política – e arbitrária. Não no sentido prático do termo, mas uma maneira de tentar mitigar algo que se movimentava como inevitável: a provável vitória do filme na maior parte das categorias em que fosse indicado, sem dar qualquer chance para a concorrência. 

No entanto, esse não é um problema que caiba a alguém resolver; na verdade, isso nem mesmo é um problema. Alguém consegue imaginar filmes como Anatomia de uma QuedaParasitaO ArtistaEmilia Pérez, AmorO Tigre e o DragãoA Vida é Bela e tantos outros sendo impedidos de ter reconhecimento interno, depois de terem se consagrado em festivais internacionais e no Oscar? Se esses filmes estiverem em debate e análise no exterior, e os públicos espalhados pelo mundo os consagraram, porque organizações internas teriam posicionamento contra sua consagração? O que está acontecendo hoje, no Brasil, parece ser um castigo inaceitável a um filme que só trouxe reconhecimento ao país. 

O que está em jogo é uma arbitrariedade decidida para que se impeça algo como uma consagração na linha de Oppenheimer no Oscar, no ano passado. Todos sabiam do favoritismo do filme de arrecadação que esbarrou no bilhão de dólares, e isso não impediu o filme de ser competitivo. Já pensaram se a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas impedisse Titanic ou O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei de ser indicado, para evitar posterior ‘surra de lavada’ que os filmes deram na concorrência? Isso ainda mostra uma outra ordem de despreparo coletivo, que é a paternalização dos outros concorrentes, e uma clara declaração de inferioridade coletiva, por parte da nossa Academia, ao declarar que tais filmes só seriam hábeis para competição se tirassem o “bicho papão” da corrida. 

Faz parte de uma contingência do mercado que títulos como O Dia que te ConheciMaluRetrato de um Certo OrienteGreice e tantos outros excepcionais tenham sido lançados na mesma temporada que Ainda Estou AquiTropa de Elite 2, que vendeu mais de 11 milhões de ingressos e é a segunda maior bilheteria da História, ganhou 8 prêmios na festa de 2011; alguém chorou por Viajo porque Preciso, Volto porque Te Amo? O filme de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes saiu daquela festa sem prêmio algum, e merecia vários. Assim como outros filmes já saíram de festas sem prêmios, e isso não diminuiu os seus méritos – e nem aumentou os de seu rival. O que não pode, é um filme lançado em iguais condições,que tenha seguido o mesmo critério que todos os outros, ser impedido de concorrer por medo da concorrência. Alguém já pensou na possibilidade dos membros da Academia Brasileira decidirem não dar todos os prêmios ao filme de Salles, e preferir outros, em outras tantas categorias? Bom, agora não precisamos mais imaginar, porque não acontecerá. 

A ignorância de não considerar os técnicos que foram consagrados indiretamente pelos prêmios, mas que poderiam agora ser agraciados diretamente, é ainda mais pesada que o paternalismo a títulos que com certeza preferiam disputar com um filme e vencer dele justamente, e não por falta de combate. Uma decisão como essa diminui muito mais do que amplifica, e tal homenagem soa como um ‘chega pra lá’ desnecessário. Como se fora vergonhoso ter um filme que nos orgulhou tanto e que agora precisa ser escondido, como algo indigno ao que é comum. Ainda Estou Aqui não é mais um filme, antes mesmo da chegada do tempo, ele é transformado em totem, um lugar que geralmente é alçado no futuro, nunca no presente. E no futuro, próximo ou distante, a historicidade cobrar o lugar de um filme que se tornou símbolo e as futuras gerações procurarem o resultado de prêmios futuros no Maior Prêmio de Cinema do Brasil, não verão nada que não o vazio. Uma homenagem como um pedido de desculpas, e um obrigado – sem troféus, sem a chance de ganhar, ou mesmo perder. 

Tenho mágoa das decisões injustas, mas não sinto culpa. No meu lugar como crítico de cinema e entre meus pares, vi Ainda Estou Aqui ser eleito o melhor filme em vários grupos. Quanto à Academia Brasileira de Cinema, espero que tais decisões sejam revistas e que se dê oportunidade da justiça feita, para o bem e para o mal do que foi lançado em 2024, dirigido por quem quer que tenha sido. Seja esse filme qual for, mas ainda assim, justo e honesto. 

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