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“Também Queria Te Dizer — Cartas Masculinas”, com Emilio Orciollo Neto, evidencia a tecnologia do afeto

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Foi com Fernando Pessoa (1888-1935) – e com sua tradução musical na voz de Maria Bethânia – que o mundo, ou pelo menos o quinhão dele que fala a língua portuguesa, aprendeu aquela cantilena do “Todas as cartas de amor são ridículas”, pois “cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas”. Só que nem toda entrega dos Correios fala do Cupido. Umas anunciam dívidas; outras decretam falência; algumas expõem doenças terminais; outras apenas cobram imposto. No entanto, por trás de todas elas, existe uma “tecnologia”, ainda que na base do papel e da caneta. “Também Queria Te Dizer” evidencia essa dimensão tecnológica em sua estrutura de “simplicidade”, na qual um ator de abundante carisma, Emilio Orciollo Netto, multiplica-se em papéis distintos. 

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Quem primeiro (e, até hoje, melhor) detectou que uma carta é um device, um dispositivo, foi o crítico literário inglês Ian Watt (1917-1999), nas páginas de “A Ascensão do Romance” (1957). A análise que faz de livros como “Pamela; or, Virtue Rewarded”, escrito por Samuel Richardson (1689 – 1761) em 1740, em forma de prosa epistolar (ou seja, correspondências trocadas), usa a premissa de que o formato novel (romance) é uma tecnologia de imersão. Segundo Watt, o público leitor desse tipo de literatura imerge na trama que lhe é apresentada, construindo na relação da leitura um novo espaço, onde “usuários” se alijam do real no período de atenção que as páginas exigem. É como se uma realidade paralela fosse criada pela prosa. Para Watt, a carta faz igual.

Partindo desse argumento, o conjunto de relatos vivificados (com delicadeza) pela atuação de Orciollo cria essa virtualidade provisória, de que Watt fala, pelo tempo em que “Também Queria Te Dizer” nos conduz pelo texto decalcado de um best-seller de Martha Medeiros. Cada carta que o astro interpreta (por vezes, na raia do recital, ali numa fronteira tênue e inteligente, por vezes, num mergulho radical no que está narrado) é como um app de celular, um aplicativo que nos tira do chão do Planetário e leva a gente até uma outra instância de imaginação.       

No solo dirigido por Victor Garcia Peralta, o ator, vestido com discrição, brinca de zé-pereira e faz tudo num bloco do “eu sozinho”, sem deixar a harmonia das alas de si mesmo descarrilhar. Orciollo encarna, em primeira pessoa, experiências e descobertas de diversos homens, a partir de uma penca de cartas do livro “Tudo Que Eu Queria Te Dizer”, emendando, numa coda (de arrebatar o mais alheio dos olhares), reflexões sobre o Poder. Até chegar nela, ouvimos um papo de acidentes, de mágoas, de abortos, de vaidades artísticas, de apegos. Tem de um tudo. 

Nos braços do minimalismo, Orciollo grelha esse X-Tudão usando como aliada uma caixa de som que ele mesmo opera por meio do smartphone. Carteiro de sentimentos, ele utiliza a tal tecnologia sobre a qual Watt pensou (e escreveu) a fim de nos mostrar o universo paralelo que pode haver dentro de um envelope selado. Universo esse que parece uma peça de museu para alguns, nestes tempos de e-mails e zapzaps, mas que um dia mobilizou (e até uniu) mundos, o que se pode ver num filmaço, hoje esquecido: “O Mensageiro” (“The Postman”), uma distopia estrelada e dirigida por Kevin Costner, lançada em 1997. No longa-metragem, o ator e diretor americano gravita por esse espaço simbólico a natureza de redes que as cartas criam, num registro de esperança. Tal palavrinha, analgésica, está na base do exercício teatral de Orciollo também, num resgate da relevância emotiva de num meio de comunicação secular.   

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