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Thunderbolts fica aquém do legado dos (quase) heróis em que se inspira

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Alocados numa fronteira ética que Homem-Aranha algum teve maldade na alma para cruzar, os Thunderbolts sopraram ventos adultos (existencialistas) no Panteão da HQs Marvel, entre o fim dos anos 1990 e o início dos 2000, por inverterem a dinâmica de altruísmo padrão da editora e por apresentarem angústias (afetivas, inclusive) que quadrinho nerd nenhum da época trazia no miolo. O anúncio de um filme sobre eles causou frisson pela oportunidade de explorar esse veio. Era a deixa para um longa-metragem nas raias da dubiedade, porém, o resultado frustra.

Thunderbolts

O ilustrador Mark Bagley, cocriador desse grupo com o escritor Kurt Busiek (o gênio por trás de “Astro City”), vivia então uma fase de apogeu no desenho, em seu traço de inspiração helênica, refestelando-se no colorido da indústria quadrinística noventista. Era um deleite ler histórias pavimentadas dos Thunderbolts a partir de uma premissa perversa: aquele esquadrão não se formou para salvar a Terra e, sim, para tramar a conquista dela. Seu líder, o espadachim Cidadão V, era um vilão de ruindade tamanho GG, o Barão Zemo, disfarçado. O desejo daquele nazista fora de época era ganhar a credibilidade da população, em meio a uma ausência dos Vingadores, e expandir seus domínios sobre o mundo livre. Sua principal aliada era a Meteorita, identidade adotada pela bandidona Rocha Lunar a fim de brincar de boazinha. 

Aliás, o melhor das tramas de Busiek, contudo, era a guerra interna de Abner Jenkins, um ladrão conhecido como Besouro, que, ao assumir o papel do vigilante MACH-V, entrava numa vibe São Dimas, arrependia-se do passado, gostava de ser o salvador do povo e ainda se apaixonava pela atormentada Soprano (outrora, Colombina). Era um melodrama padrão Gilberto Braga, com balõezinhos. Infelizmente, nada disso está agora no cinema, no filme que apenas usa o nome desse supergrupo, contando com um mix de protagonistas distinto do original. Ok, houve uma série de outros anti-heróis e até de criminosos arrolados como Thunderbolts nos almanaques editados aqui pela Abril Jovem e pela Panini Comics, incluindo a Elektra e o Gavião Arqueiro. Nenhum deles, contudo, teve a potência trágica do time inicial, com MACH-V. Mas, cinema não sacou isso e apostou no óbvio, entregou o ululante.   

Inaugurado com uma sequência de pancadaria de dar inveja a John Wick, apoiado no devir estrela de uma Florence Pugh pós “Oppenheimer” (2023), Thunderbolts* é uma pálida releitura do que os devoradores de HQs chamavam ali nos 1990 de o “Esquadrão Suicida marevete”. A analogia vem do fato de a DC ter emplacado uma equipe de quase mocinhos (como o Capitão Bumerangue e o Pistoleiro) com ferrabrases tirados da prisão obrigados a fazer justiça. Na medula, a patota do Cidadão V é empurrada pela mesma brisa do Suicide Squad. Só que isso ficou de fora da adaptação cinematográfica que chega agora às telas, sob a direção de Jake Scheirer, realizador da (bobagem) serializada “Treta”. 

Das revistinhas da década de 1990, só ficou o nome. O grupo é outro, a lógica é outra e todas as boas deixas de movimentos deixados pela arte de Bagley foram desperdiçadas. Kevin Feige, o Midas (hoje não mais infalível no empenho de transformar premissas em blockbusters) por trás do império audiovisual Marvel, usou sua destreza de produtor para juntar resquícios de muitos filmes e séries e montar uma horda de justiceiros com refugos. Força uma barra para assegurar protagonismo a Florence (no papel da nova Viúva Negra), ignorando o fato de que um de seus atores, Sebastian Stan, o Soldado Invernal, indicado ao Oscar por “O Aprendiz” (2024), é um dos astros do momento. Como Florence é uma atriz de talento GG, ela quebra o coco sem arrebentar a sapucaia.

Do insosso longa-metragem Viúva Negra, de 2021, Feige mandou buscar ainda o Guardião Vermelho, aka Alexei Shostakov, para assegurar a Thunderbolts um alívio cômico digno de gargalhadas na atuação de David Harbour. Ele é um sol para o filme. Não apenas assegura risos como estrutura um eixo sentimental na discussão da paternidade que tem por Yelena Belova, o alter ego da atual Viúva, que ainda chora pela perda da irmã, Natasha Romanoff (vivida por Scarlet Johansson), em “Vingadores: Ultimato” (2019). 

No irregular roteiro de Joanna Calo e Eric Pearson, filmado por Schreier, tudo começa como um filme de espionagem, à moda 007 (tipo “O Amanhã Nunca Morre”), com a Viúva, a ladina Fantasma (Hannah John-Kamen) e o Agente Americano (Wyatt Russell, preciso) a desbaratar uma mutreta da condessa Valentina Allegra de Fontaine, personagem em que a sempre genial Julia Louis-Dreyfus deita e rola. A fim de ocupar o espaço deixado pela Shield e criar uma alternativa para a falta dos Vingadores, a executiva de um (suposto) projeto de defesa oculta uma pesquisa chamada Sentinela, para forjar superseres. Ao mesmo tempo, faz um jogo de manipulação com a mídia, o que rende uma reflexão sobre fake news.

Quem lê quadrinho se treme diante da menção do nome Sentinela, pois a minissérie “The Sentry” (2000), escrita por Paul Jenkins e desenhada por Jae Lee, com foco no tal “projeto”, foi um dos experimentos mais ousados da Marvel no mercado editorial. Dela surgiu um arremedo de Homem de Aço que se de destaca pela bipolaridade. É um superser poderoso até o infinito, que guarda seu inconsciente um transtorno de personalidade, na forma de uma criatura sombria. É esse o papel do ator Lewis Pullman, no filme de Scheirer: dar vida ao bipolar Robert Reynolds, que é esse bifurcado agente do Bem. Pena que Pullman não alcance, nem de perto, toda a sua complexidade.  

 Ignorando as referências das aventuras em papel de Busiek/Bagley lá de trás, o script de Thunderbolts foi rodado por Scheirer se escora (bem) nesse enredo acerca do Sentinela, expondo os podres da política imposta por De Fontaine, com direito a uma antológica sequência de moto com o Agente Invernal. Thunderbolts é, certamente, uma homenagem explícita a “Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final” (1991). Antes, tem uma paráfrase de “Duro de Matar” (1998), num elevador, que diverte um tantão. Depois disso tudo, quando o enredo resolve fuçar a mente mucho loca de Reynolds.

Mas o filme esmorece por várias razões. Entre elas: a) carecer de uma carga épica; b) alongar em demasia certas situações que careciam de edição mais pontual; e c) repetir soluções narrativas de “Vingadores: Guerra Infinita” (2018). O que fica é o desempenho de Louis-Dreyfus, o carisma pantagruélico do Guardião Vermelho e a habilidade de Stan em escavar inquietações mesmo nas situações de roteiro mais planas e rasas, fazendo do Soldado Invernal um misto de John Rambo com James Bond. Diferentemente do padrão plástico apolíneo do Marvel Studios, a fotografia de “Thunderbolts*” apresenta um colorido mais vívido do que o corriqueiro, esbanjando sagacidade nos enquadramentos, em especial em planos bruxuleados e no uso de chiaroscuro. É um mérito do fotógrafo Andrew Droz Palermo, responsável por “A Lenda do Cavaleiro Verde” (2021), que oferece aos filmes decalcados de graphic novels um visual dionisíaco.

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