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A História de Souleymane faz um recorte cruel de um imigrante

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Há exato um ano, começava a trajetória de sucesso de A História de Souleymane. O filme saiu do último Festival de Cannes com o prêmio de melhor ator da mostra Un Certain Regard, a segunda mais importante. Dali, teve um número expressivo de indicações ao César (o Oscar francês), e de lá saiu com os prêmios de ator revelação, roteiro original, montagem e atriz coadjuvante (esse inexplicável, para Nina Meurisse). O reconhecimento é merecido, porque o trabalho do diretor Boris Lojkine é conciso, indo ao cerne da questão rápido demais, sem brecha para o sentimentalismo ou algo que pareça tirar do filme sua crueza. São breves 93 minutos de uma narrativa ágil, que captura o espectador com seu ritmo contínuo. 

Esse é apenas o quarto filme do diretor, uma filmografia realizada ao longo dos últimos vinte anos. Assim como o cinema francês tem feito ultimamente com sucesso, trata-se de um cinema que vai além da humanidade, porque ele agrega outros elementos à mistura. Assim como o brilhante Contratempos, onde Laure Calamy estava em uma luta constante contra o relógio, o imigrante Souleymane tem mais o que fazer no espaço de um dia do que cabem nas 24 horas do mesmo. Por isso o trabalho de montagem impressiona tanto, porque condensa o espírito de uma geração no espaço de poucos dias; a sensação é, certamente, quase a mesma de uma gincana, como se as tarefas que precisam ser cumpridas colocassem o herói da história em um lugar de gamificação da vida real. 

Quando tomo por base essa colocação, de transformar-se em uma espécie de ‘jogador’ de outros desígnios, e que o cinema costuma construir em diferentes formatos, penso em como o cinema francês, embora tenha seus próprios vícios e limitações, ainda representa uma base sólida. Nos últimos anos, a Europa de uma maneira geral, parece mais interessada em retratar o ‘futuro do outro’, que quase todas as outras filmografias. Pro bem e pro mal, a crise migratória tomou de assalto o cinema e tornou-se tema quase obrigatório sobre quem faz cinema sério, engajado e premiável por lá. Dito isso, A História de Souleymane carrega um virtual espaço de discussão que passa pelo texto, mas encontra maior reverberação na urgência das imagens. 

Por isso, a montagem premiada de Xavier Sirven (o mesmo de Herói de Sangue) serve tanto a uma de suas propostas, que é mapear o ritmo de uma existência pautada pela velocidade de estados. Tanto emocional quanto geograficamente, o personagem-título aqui tem questões tão profundas a serem resolvidas que sua meta parece ser apenas alcançar a próxima etapa. Isso também é um sintoma do que descrevemos acima, a forma desenfreada com que um punhado de vidas é jogada no labirinto insano, cuja modernidade não disfarça o olhar pejorativo em cima de tais corpos. Sirven imprime uma relação de constante indefinição ao que está sendo visto, e ao que virá; isso porque o próprio Souleymane não precisa dividir seus sonhos, ele apenas precisa cumprir etapas. 

Não há perda de humanidade no que estamos vendo, apenas acréscimo de algo confuso no que diz respeito à empatia. Não há espaço para o espectador sentir em A História de Souleymane, a não ser que esse sentimento seja o da fluidez veloz dos eventos. Em um punhado de dias, temos um recorte cruel de uma existência que espera e espera e espera, para poder voltar a existir, ironia das ironias. Enquanto o tempo avança, ele acumula uma série de acontecimentos, mas em principal de desacontecimentos, que minam continuamente suas expectativas. Essa é outra das qualidades da obra de Lojkine, nos levar até o ato puro, sem uma maior reflexão; ela virá, mas no momento certo, quando o tempo de espera tiver terminado. E o que o filme então faz? Provoca o protagonista.

Não foi à toa que Abou Sangare ganhou uma chuva de troféus, sua presença, seu olhar e sua vitalidade são a porta de entrada de A História de Souleymane, assim como sua força gravitacional. Tudo está disposto para que sua colocação esteja o mais inteira possível, e todos ao seu redor existem por sua causa. Nesse sentido, o troféu para Meurisse parece inexplicável, porque ela está em cena por meros dez minutos e sua porção, como a de todos os outros coadjuvantes, é uma reação ao que Sangare realiza. Isso não é pouco, mas sintoniza o tanto que o filme busca para seu formato. Esses tais últimos dez minutos são quando, enfim, personagem e espectador relaxam das tensões e encaram o resultado das ações, é, a um só tempo, um sentido de puro alívio e, o recomeço da apreensão. Para homens como ele, essa é a única opção, reiterar a tensão por mais um pouco de tempo. E outro pouco. E um bocado mais. 

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