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Adeus, Garoto homenageia os clássicos melodramas italianos

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Ano passado, o circuito de cinema abrigou uma estreia de cineasta da Itália que criava uma linha de projeção entre o cinema de hoje e o clássico do neo-realismo italiano, com tintas modernas e com a adição de outros gêneros. Ainda Temos o Amanhã foi uma das maiores bilheterias da História do país, e o filme ganhou muitos prêmios, particularmente, enxergo desacerto em muitas das construções que Paola Cortellesi propõe. Essa semana estreia Adeus, Garoto, onde o novato Edgardo Pistone, e que igualmente tenta homenagear os clássicos melodramas italianos, onde suas saídas fazem mais sentido tanto na condição de homenagem, quanto na transição para a discussão moderna, até chegar no recorte cinematográfico que é exibido ali. 

O melodrama criminal italiano, que bebeu em fontes da ‘nouvelle vague’ francesa, e que acabou desaguando, há anos atrás em um dos filmes mais premiados da Itália em anos recentes, Gomorra, aqui tem uma dose de reconstituição, mas sem a modernização que Matteo Garrone promoveu. Adeus, Garoto parece um OVNI saído diretamente dos anos 1960/1970, com a crueza de relações e até uma aparente rememoração de valores muito retrógrados em cena. Existe uma coragem que o diretor Pistone não se renega em fazer, que nossos parâmetros hoje enxergam a produção e seus personagens de uma maneira mais aguda, menos normatizada. Mas nunca deixa de ser tão virulento que tais situações sejam ainda reproduzidas, ainda que em contextos históricos referenciais. 

Na tela, as imagens nos remetem a outro tempo, e isso não diz apenas ao registro do calendário, mas em como a direção de Pistone quer emular imagens e corpos e espaços cênicos do passado. Mesmo o cotidiano de outrora está ali em cena, desde a abertura, quando um grupo de amigos em tempos de fim de adolescência mergulham na praia, observam um casal de turistas, ou brincam entre si. Tudo está resguardado por um profundo respeito pelo que já foi encenado, e aqui se encontra numa espécie de suspensão do tempo e das ideias, como se uma máquina temporal nos embarcasse de volta 50 anos para o passado. São fagulhas de uma ‘mise-en-scène’ marcada pelo travelling, pela ação ininterrupta da câmera, pelo olhar de seu maestro para a criação do plano.

Adeus, Garoto conta a história privada de um desses meninos, Attilio – Atti, para os íntimos. Filho de um homem deprimido e viciado, com uma mãe submissa ao que seu marido está subjugado, Atti enxerga no trabalho como assistente de um receptador de joias roubadas uma saída para o pagamento de uma dívida de seu pai, que acaba de sair da prisão. Seu trabalho se resume em tomar conta de Anastasia, uma prostituta estrangeira que trabalha para seu chefe. Obviamente que ele irá se apaixonar pela moça, e sua vida nada fácil tende a ficar cada vez mais difícil. O filme não apenas se desenvolve dentro desse campo, como mergulha cada vez mais profundamente em um universo estético e narrativamente ligado às décadas passadas, e seu olhar não tenta dosar mais empatia pelo protagonista do que ele merece receber. 

Ao contrário do que um título tradicional apresenta dentro de estrutura narrativa, Adeus, Garoto abdica da presença de heróis. Atti e todos os outros personagens são pintados com as tintas mais próximas possíveis de pessoas reais, sem um ato maior de coragem, apenas uma necessidade gutural de sobreviver da melhor forma possível, e manter alguma dignidade em meio às adversidades. Da fotografia de Rosario Cammarota, o relevo dessa dureza é extraída sem que perca no processo um tanto de humanidade escondida nas imagens. Além das composições visuais criadas para aproximar uma produção recente a um passado tão relativamente recente do cinema italiano, o filme se enche de uma verdade épica que o torna um exemplar irresistível nos dias de hoje. 

Como um mestre veterano das lentes, Edgardo Pistone inicia uma carreira correndo riscos que talvez o aproximem da reprodução de leituras absolutamente perigosas. O que a beleza estética e memorial de Adeus, Garoto não apaga é a sua força de comunicar a respeito do horror, de pensamentos e ações, que infelizmente não estão no pretérito. O machismo, a exploração feminina, a depressão, a falta de perspectiva juvenil, não se deixam mascarar pelo impressionante trabalho de recriação de um tempo. Na contrapartida de um cinema mofado como o que Paolo Sorrentino pratica hoje, Pistone não deixa de referenciar a História, mas buscando no passado uma forma de olhar o presente sem retoques estéticos. O que era belo lá atrás, continua belo; o que era monstruoso, continua monstruoso. 

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