- Publicidade -

Animale trata da violência contra a mulher em ambiente tóxico

Publicado em:

Só mesmo a sensibilidade feminina conseguiria fazer com que a violência das touradas fosse retratada em um contexto onde isso seria apresentado da maneira correta, sem pudores e, ao mesmo tempo, de maneira indireta – e ainda assim, assustadora. É muito bom que, na chegada para o Brasil, Animale não tenha tido alteração em seu título, o original, grafado assim mesmo, passa uma ideia de bestialidade que o espectador provavelmente não teria com uma tradução simples. Essa é a intenção do filme, sem tratar o assunto de uma forma didática e sem fazer da preservação um ponto de discussão único; existe uma gama de elementos que, desdobrados, repercutem nesse filme apavorante com mais intensidade. 

Animale

Vendido como um ‘filme de terror’ em muitos lugares, talvez Animale ultrapasse esse rótulo reducionista. Porque sim, é uma história pesada e terrível, em muitos pontos o horror está à espreita, mas é bom que fique claro que tudo aqui tem múltiplo sentido, entre eles essa camada. É exatamente nesse lugar que a cineasta Emma Benestan quer nos levar, com suas questões multifacetadas, que se aplicam a muitos lados, ainda apresentando ao público uma realidade não exatamente explorada ao extremo. O contexto geral é conhecido, seu ambiente tóxico é muito bem aplicado, mas o lugar onde esse enredo está inserido não é um palco comum. Estamos no ambiente rural, masculinizado e predatório como em todo universo repleto de excessos, da voz e do poder do homem. 

Quando falamos sobre touros, a imagem que vem à cabeça geralmente é a da prática na Espanha, mas aqui é o ambiente rural da França, quase como se fora uma festa do interior no Brasil – onde em muitos lugares isso já provoca polêmica, com razão. Animale, na verdade, está versando sobre essa imagem para uma comunicação mais dura, da relação misógina dentro do ambiente de trabalho, e os extremos a que se pode chegar. No fim das contas, quem são os touros do filme e o que eles pretendem? É a demonstração de poder, e das manifestações que se embrenham por essas relações, sem necessariamente culpar o seu entorno. O ser humano está pronto para a evolução, e isso é disposto a cada um; o difícil é, ainda hoje, descobrir que se dispõe a esse movimento. 

O visual de Animale não apenas é masculino, como traduz de maneira eficaz sua narrativa: tudo está em transformação, os corpos, os animais, a paisagem. E essa natureza, tão indomável quanto protetora, revela um pouco do espaço geográfico onde vivem, mas também faz eclodir na tela os lados misteriosos de cada um. Nesse sentido, tudo está em mutação; o grupo masculino revela sua porção menos apresentável, os animais abandonam sua face domada e Nejma descobre em si as características determinantes para a libertação de sua personalidade real, que se mantinha escondida. É uma combinação irresistível, do ponto de vista cinematográfico, que acaba tornando essa uma produção assustadora, inclusive segundo as conotações que o aproximam da normatividade, à revelia da fábula aqui apresentada. 

Junto com o mistério que perpassa toda a duração da produção, o filme se esgueira na fotografia de Ruben Impens para firmar-se de maneira inspirada. Responsável pelas imagens de Titane Alabama Monroe, aqui ele aprimora o lusco fusco das luzes em horários improváveis para tornar ainda mais alegórica a obra. Muito repleto de exteriores, o trabalho de Impens e de Benestan é audacioso no que apresenta. Porque lidam precisamente com a ausência de luminosidade presentes em todas as espécies, humanos ou animais. Isso é aplicado na proposta que é desenvolvida aqui, para simbolizar o tanto de desconhecido que pode aflorar quando somos ameaçados em nossa liberdade, no que temos de mais orgânico, e em nossa liberdade individual. 

O risco que a autora se apoia não é pouco, tendo em vista que sua narrativa feminista pode ser interpretada pelo lado oposto da questão. A selvageria que é apresentada de maneira fabular ela não tem um lado único, e esse trânsito mostra uma maneira mais aguda de apresentar suas questões, propondo discussão ainda que esteja em zona complexa. Animale não trata a violência contra a mulher como um ato que pode ser combatido, mas como um evento que precisa ser erradicado de forma radical. Através da razão ou da emoção, o que se apresenta não pode ser normatizado; precisa ser tratado da forma mais incisiva possível. A atriz Oulaya Amamra (de Divertimento) mostra o nascimento de um obscuro como uma forma de revolução, através de uma interpretação cheia de nuances. Sua performance congrega todos os elementos que garantem ao filme uma espécie de porta-voz de um recorte sem paternalismo a respeito de um horror que mata na vida real. 

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
4.310 Seguidores
Seguir
- Publicidade -