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Confinado traz ares de tragédia com performances vibrantes

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Em 4×4, filme argentino de 2019, o diretor Mariano Cohn (o mesmo do excelente O Cidadão Ilustre) construiu, sem saber, uma fórmula que interessaria outras cinematografias: um homem tenta roubar um carro, e ao adentrar seu interior, se vê automaticamente trancado ali. Aos poucos, o castigo adquire ares de sadismo, porque existe alguém manipulando essa realidade. Em A Jaula, remake brasileiro de 2022, o diretor João Wainer (o mesmo do excelente Bandida) embarca em uma proposta mais larga, aumentando a centralidade da produção para uma discussão social e urbana. Em Confinado, o diretor David Yarovesky (o mesmo de Brightburn, que poderia ter sido excelente) repete as muitas opções do original, e não aproveita as implantações da nossa versão. 

O resultado é um filme que continua funcionando, porque sempre conta com atores de primeira linha entre os protagonistas, e uma tensão fina que é construída cena a cena. Ainda assim, trata-se da versão menos inspirada, porque além de tudo trata de criar um melodrama mais rasgado aqui, dando ares de tragédia periférica ao plot. A decupagem aqui não é a melhor das três também, porque se vale exclusivamente da experiência do seu protagonista para criar tais gatilhos. Funciona quase sempre, mas não temos como atribuir qualquer inventividade estética ou cênica. É um filme de suspense, com suas qualidades restritas a sua dupla de atores centrais, que, assim como os outros deles, se divertem demais com as personas apresentadas. 

Em um espaço tão exíguo – 90% da duração do filme se dá dentro de um carro de luxo transformado em bunker maligno – caberia a Confinado criar uma dinâmica menos engessada para suas imagens. Mesmo filmes anteriores com tal premissa, em produções como Filhos da EsperançaCujo Demônio, o pouco espaço se deu de maneira criativa. Yarovesky não demonstrou até agora ser um profissional de pouco capricho, mas seu olhar aqui parece preguiçoso, um diretor contratado, sem maiores preocupações. O que impressiona é a produção de Sam Raimi, que enxuga para baixo as possibilidades do longa, sem que o potencial do diretor fosse avaliado a contento. 

Mas aí chegam em cena dois atores como Bill Skarsgard e Anthony Hopkins, e o que poderia ser mais difícil, se torna algo prazeroso. O primeiro surgiu ao grande público com o sucesso do remake de It: A Coisa, onde ele interpretou o clássico Pennywise. Na pele do icônico palhaço assassino, ele não conseguiu apenas se tornar um astro, mas colocar-se em um lugar superior de talento. Na temporada passada, outro remake, o de Nosferatu, mais uma vez o catapultou adiante, em cifras e reconhecimento.  Confinado é mais um remake onde Skarsgard estabelece seu potencial para mostrar porque o futuro tem seu nome escrito; em uma performance comprometida, o ator nos conecta ao que seu tipo tem de mais humano. 

Para Hopkins, Confinado é um passeio no parque. Um trabalho quase exclusivamente vocal, o vencedor de dois Oscars (O Silêncio dos Inocentes Meu Pai) esbanja carisma e propósito. O ator já exprimiu muitas vezes a função de narrador em vários filmes, como Morgan Freeman e Sean Connery, Hopkins tem a voz marcante e sua escalação aqui não poderia ter sido mais especial. Ao longo da maior parte do filme, só ouvimos sua voz e entendemos que ele mais uma vez cria algo especial, ainda que o filme não pareça se importar com alguma diferenciação. Nas mãos de um gênio como ele, o que poderia passar despercebido é uma prova a mais de sua imensa dedicação, e de seu controle sobre uma matéria-prima menos facilitada. Estamos falando de um papel ambíguo, onde a validade do discurso muitas vezes esbarra na crueldade dos atos. 

O trabalho exemplar de seus atores acaba por colocar Confinado em uma ideia de discussão bem-vinda, onde o heroísmo e a vilania estão sendo constantemente desconstruídos. A cada novo lance da narrativa, mudamos nossa percepção em relação ao bem e ao mal. Infelizmente, a ideia de não lidar com o maniqueísmo se mostra inconclusiva, porque o próprio filme transmuta suas verdades a todo tempo e a manipulação da linguagem se explicita. Os responsáveis por manter digno o que estamos vendo é essa dupla de protagonistas acima da média, que mais uma vez mostram a que vieram. São bons personagens, e por isso em todas as versões temos novas aulas de atuação em cena.

Hopkins e Skarsgard dominam a tela da primeira à última cena, que independe do escorregão no dramalhão dos minutos finais para entregar duas performances vibrantes de seus intérpretes. 

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