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Ernest Cole: Achados e Perdidos faz um recorte repleto de dor

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É praticamente impossível resistir à profunda melancolia, à tristeza mais arraigada, ao assistir Ernest Cole: Achados e Perdidos, que estreia essa semana nos cinemas. Conforme avança, a produção dirigida por Raoul Peck perde qualquer característica redentora da sua narrativa para se concentrar exclusivamente no horror. Não se trata de uma experiência redentora de cinema, uma espécie de expurgo ao massacre sul-africano e as sequelas emocionais que o Apartheid construiu em uma sociedade. Através da voz e das palavras de um artista que ousou denunciar o que estava ao seu redor, estamos diante de um documento que infelizmente não envelhece. Com poucas mudanças, a verdade é que tal horror não cessou, explícito ou recôndito.

E quem é Ernest Cole, o homem que entitula o filme? Fotógrafo nascido na África do Sul que viveu a maior parte de sua vida exilado, lançou um livro em 1968 que foi proibido em seu próprio país porque entregava imagens do racismo explícito em sua terra através de imagens que poderiam ser poéticas ou estarrecedoras. Assim sendo, Cole se tornaria uma figura central de seu tempo na análise de uma espécie de observação sobre a escravidão nunca terminada ao redor do mundo. As imagens que continuaria a registrar de outras partes do globo, como as ruas dos Estados Unidos, e a reflexão que propõe acerca da semelhança entre as que fez em sua terra natal, mostram um mundo conectado por uma tragédia histórica que não cansa de se perpetuar, ainda hoje. 

Para quem não está unindo nome e pessoa, Peck é o cineasta por trás de um dos melhores documentários dos últimos anos, Eu Não Sou Seu Negro. Indicado ao Oscar que usa um livro inacabado do extraordinário James Baldwin para traçar um paralelo entre os assassinatos de Martin Luther King, Malcolm X e Medgar Evers, iniciando uma discussão sobre a história do racismo nos EUA através dos tempos. Peck é haitiano e suas pesquisas a respeito da nossa ligação com o racismo, que não se cansa de continuar se mostrando presente, é um trabalho que enriquece quando colocamos Ernest Cole: Achados e Perdidos em paralelo com sua obra, e os recortes sobre seus personagens passam a contar uma história repleta de dor. 

Se no filme anterior, o cineasta conseguiu algum distanciamento no tratamento das questões e na forma em como seu discurso alcançava o espectador, em Ernest Cole: Achados e Perdidos a impressão de desesperança perpassa a obra, e se aboleta no colo de quem assiste. Ainda assim, a fuga de tais imagens só provoca a falta de elaboração a respeito de sua problemática, que não pode perder a validade em tempos em que ainda matam pessoas pela cor da pele. As imagens captadas por Cole são cruciais para o tratamento desse pensamento, e a fala que permeia o filme nos incita a sair de uma inércia incômoda, de que modo? Sendo ainda mais incômodo, mostrando de maneira facilitada o caminho natural de um sintoma social mundial. 

A reta final de Ernest Cole: Achados e Perdidos incomoda um pouco, quando o sobrinho do protagonista ocupa lugar destacado no filme. Primeiro porque muda um pouco o foco da busca, segundo porque tal busca não faz muito sentido em um campo histórico, na conclusão que se chega. Também cinematograficamente o filme perde sua força ao assumir um caráter de investigação mais tradicional, retirando do filme suas características originais. No cerne da questão, estão um material de Cole encontrado em um banco na Suíça, que carrega a força que vemos em tela e que move menos espaço de tela do que sua sinopse prepara. 

Vencedor da Palma de melhor documentário no ano passado no Festival de Cannes, Ernest Cole: Achados e Perdidos é um daqueles filmes cuja tristeza inerente ao que vemos, e também contido do discurso do personagem-título, é suficiente para arrastar quem assiste a um estado parecido. Ainda assim, nada é gratuito ou disperso no que vemos, um mosaico de imagens que formam um painel de discussão muito aprofundada, que vai além de uma questão crônica incessante no mundo. Porque centraliza seu olhar em um homem só, que nunca escondeu a devastação que sofreu internamente pelos anos que observou o racismo sistêmico pelo mundo, pelas ruas onde esteve, pela história que escreveu através de imagens. Seu choque é ainda mais projetado quando percebemos que homens na situação de Cole ainda vivem, sucumbindo ao terror do preconceito todos os dias. 

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