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“2+2=5” leva George Orwell e seu Big Brother ao palco com destreza

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No tempo em que o mundo pertencia aos marinheiros e que os oceanos eram a www (world wide web) da Terra, a Inglaterra tornou-se a senhora soberana da geopolítica, escanteando os vikings e os formandos da Escola de Sagres, na dianteira do planeta, quando o metalismo que funda a Modernidade dá lugar a práticas capitalistas mais arrojadas economicamente – porém, menos empáticas. George Orwell (1903-1950), autor de “A Revolução dos Bichos” (1945), é um cidadão dessa pátria, mesmo nascido em Motihari, na Índia. A Grã-Bretanha lhe serve de remo, proa e popa na escrita, assim como ele serve de leme ao espetáculo “2+2=5”, no CCBB.

Em “2+2=5”, não se fala em Reino Unido nele, mas, sim de Oceânia, terra distópica localizada onde deveria haver um continente em forma de país chamado de Brasil. Orwell, em seus livros, à luz do que viu em terras indianas e do que aprendeu em sua conexão com marxistas, criou multiversos ora antropomórficos (onde porcos mandam no povo), ora apocalípticos, onde um olho que tudo vê oprime o povo num comando subliminar. Aliás, essa Inglaterra catastrofista (imaginária) inspira o real desnudado em “2+2=5” a partir da releitura que a Agrupação Teatral Amacaca proseia com a literatura orwelliana.      

A peça destrincha no palco o romance “Nineteen Eighty-Four” (1949), ou só “1984”, que deu ao mundo a figura do Big Brother, o Grande Irmão, um panóptico que encarna a ideia sociológica de Sistema como o “BBB” que enche os cofres da Globo de reclames vem daí. As espiadinhas de que a TV aberta fala são simplificações populistas de uma observação contínua. No livro, a ignorância é o combustível (aditivado a ódio) que mantém essa besta tecnológica viva. No palco ocupado pela Ata, vinda lá do DF, também.  

Essa turma confiou a encenação a Felipe Vidal, um diretor teatral do Rio de Janeiro que criou marca autoral ao usar a cultura Pop pra dissecar incongruências dos pactos sociais, vide sua colossal montagem do “Rock’n’Roll”, de Tom Stoppard, ou “Cabeça”, inspirado em LP dos Titãs. A música é parte essencial de sua grafia cênica. Não por acaso, lá pelas tantas de “2+2=5”, num clímax, ouve-se o Rei. Temos o “Como Dois e Dois” de Roberto Carlos a coroar a cena. 

Vidal e o coletivo formado por Camila Guerra, Dani Neri, Flávio Café, Iano Fazio, Juliana Drummond, (um inspirado) Mateus Ferrari, Rosanna Viegas (em coruscante desempenho), Victor Abrão, Abaetê Queiroz e Marcia Duarte vão buscar em Orwell as catacumbas da contemporaneidade. Em seu “1984”, existe uma fábula (sombria).

Por lá, acha-se também catastrofismo, mas existe um parâmetro teórico com Marx na medula que expõe o quanto a transcendência inerente à luta de classes foi desprezada e sofismada pelo discurso capitalista. Pior do que ele é seu gêmeo ainda mais mau, o neoliberalismo. 

“2+2=5” começa, certamente, quando o humanismo saiu do ar. Houve um momento em que a América do Norte quis concentrar o comando do planisfério terrestre consigo, num grande império, antes de a China se agigantar, no meio à transformação da Europa num museu a céu aberto. O museu de uma derrota simbólica que veio não só das guerras, mas da “mediatização” do controle.  O comando do mundo passou, então, a comungar dos dispositivos digitais. Estes se vendem como mecanismos de comunicação, mas, na essência, são veias de controle. Os grupos de WhatsApp que elegem Messias são provas disso.

Por isso, como antecipou Michel Foucault, vigiar é punir (com a exclusão). Oceânia, o Distrito Federal de faz-de-conta de “2+2=5”, é um espaço de punição ao ar livre. Um pau-de-arara territorial no qual se confessa o que não foi vivido em nome de paz. Ali, a soma das parcelas resulta no número que o governo determina. Um mais um dá três se o Grande Irmão mandar.  

A fim de entender essas operações semiológicas, Vidal e a galera da Ata traz para “2+2=5”, num processo de pesquisa cênico eletrizante, uma poderosa corporação que é meio milícia e meio religião. A apologia à violência, a hipervigilância e a aplicação de inteligências artificiais (o GPT) são práticas coercitivas do coronelismo gourmet imposto por tal forma de governo corporativo. 

Nesse contexto de alarme, traduzido em forma de teatro sob a programação de luz de Caio Teixeira, na dionisíaca cenografia de Luiz Felipe Ferreira, embalada pelo VJ Boca, nasce uma paixão que quebra algoritmos. O sexo e o benquerer não respeitam álgebras. 

O problema, como flagrou no passado o dramaturgo Jean Anouilh, é que “existe o amor, é claro, e existe a vida, sua inimiga”. A inimizade aqui é politicamente correta em sua pasteurização de mentes.  

Trazido ao RJ pela Ata junto com outras duas peças (“Se eu fosse eu – Clarices” e o infantil “Os Saltimbancos”), “2+2+5” entra em sintonia com o cinema no momento em que o Festival de Cannes acaba de aplaudir “Orwell: 2+2=5”, documentário do haitiano Raoul Peck (de “Eu Não Sou Seu Negro”) sobre o efeito manada que transforma seres livres em minions. 

Saiba mais sobre a peça!

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