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A Odisseia de Enéias aborda a juventude sob os olhos de jovens burgueses

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Nas últimas semanas, o circuito brasileiro de cinema tem recebido um grupo bastante curioso de estreias. Filmes como Teleférico do Amor Na Teia da Aranha deixaram a programação das salas mais corajosa e menos careta, com uma proposta arrojada, sem menosprezar a inteligência do espectador. Essa semana, o espectador pode conferir A Odisseia de Enéias, uma produção italiana que tinha tudo para ser mais uma para cumprir tabela e se mostrar presente. Mas segue uma linhagem corajosa essa deturpação de biografia, esse caráter torto de linguagem que não se conforma em ser mais um na multidão. Principalmente por vir da Itália, que há alguns anos se esforça para recobrar nosso interesse pela sua cinematografia. 

A Odisseia de Enéias

Protagonizado e dirigido por Pietro Castellito, A Odisseia de Enéias conta a história de um jovem astro que segue os passos do pai Sergio na arte, e o pai ainda está aqui, interpretando também seu pai. Trata-se de uma família desdobrada para o inusitado, de onde o filme não tenta extrair maiores informações. O espectador segue a narrativa investigando os rumos do que é mostrado, e tateando em meio ao romance e ao banditismo apresentado com alguma elegância. Nada é muito explícito, e nós acompanhamos esse homem através de seus filtros muito bem escolhidos para expor o que convier ao filme. Em A Odisseia de Eneias, todos os conceitos são relativos, incluindo os que foram feitos através da percepção do observador. 

Mas algo de concreto que chama a atenção no filme é a amizade entre Eneias e Valentino. Daquelas criações cinematográficas que não precisam de um código precursor, exala da tela o afeto que une os personagens, que na verdade movem o roteiro para sua direção. A Odisseia de Enéias apresenta um olhar muito aprofundado para o que nasce ao redor de uma amizade tão dedicada, e o que poderia ter registrado um princípio de ruína. Apesar de aderir às facilidades narrativas apenas dentro de um contexto, a produção não pretende abrir sua ideia narrativa para muitos. Ao adentrar nesse lugar cheio de fraternidade como sendo um dos elos reconhecíveis, Castellito não tenta impôr a quem assiste tudo o que é debatido, e sim um recorte sensorial a respeito de uma sociedade que decai. 

Radicalizar a experiência cinematográfica é fácil, vemos em muitos festivais os modelos de experimentação, na maioria das vezes bem-vindo (mas não em todas). O que A Odisseia de Enéias faz é um pouco mais complexo, porque não finca os pés com gosto em uma modernização do gesto. Temos a base da produção, que é apropriadamente a da tradicional biografia criminal, que é entrecortada a espasmos de ideias que o tiram do lugar comum. Então esperamos sempre um acerto formal que o filme não tem interesse em fornecer, porque a função da obra aqui é não seguir um formato pré-estabelecido de contar uma história. Definitivamente não é um título que chamará a atenção de todo o espectador, mas não deixa de ser uma experiência extravagante. 

A fotografia do polonês Radek Ladczuk (o homem por trás de Babadook) tenta nos aproximar dos estímulos e sensações que o filme apresenta, sejam elas ações positivas ou negativas. Rasgar os céus pilotando um avião, por exemplo, ou tragar um cigarro, ou ainda fazer uma declaração romântica, por mais banal que a cena possa parecer. Somos tragados pela tentativa de absorção de cada um dos seus sentimentos ao fazê-los, e inebriados pela força de vontade de Castellito, que nos joga à borda da juventude de seus protagonistas, para viver a falta de escrúpulos e discernimento de uma relação que nunca deixa de esconder sua toxicidade, de parte a parte e em relação ao mundo. 

O resultado parece ter a textura de um sonho, onde a realidade dá as caras vez por outra, com o formato de pesadelo. Não é um produto que deveria causar medo no circuito, mas muitas vezes um título assim, que não parece oferecer radicalidade, incomoda muito mais do que um título que se abra dessa forma. A Odisseia de Eneias, é uma porta de abertura para aventuras um pouco mais inseguras, de autores que trabalhem os cinco sentidos com muito mais afinco. Castellito só está tentando revitalizar o cinema de seu país, que vive anos cambaleantes depois de uma história de glória. Eu, particularmente, acho um trabalho digno de ser feito. 

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