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EROS faz uso do autoregistro para discutir intimidade e afeto

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O dispositivo pelo qual a cineasta Rachel Daisy Ellis se vale para dar partida a Eros é no mínimo curioso, mas que funciona assim que presenciamos seu desenrolar. A partir de um desencontro sexual, onde passou a noite em um determinado motel esperando um parceiro que nunca chegou, a autora se imaginou elaborando narrativas para aquelas paredes. Diante do “bolo” que recebeu, Rachel desenvolveu a ideia pelo qual o espectador ficará debruçado durante duas horas dinâmicas, descobrindo um campo de intimidades de casais frequentadores de tal ambiente. Não é tão simples quanto poderia aparentar, apenas um gatilho para encontros íntimos – trata-se de uma investigação sobre aqueles corpos, a aceitação de sua nudez, e as camadas ainda mais particulares que eles dividem com a diretora, e agora com espectadores em geral. 

Não posso negar que acho tal ponto de partida artificial, e quase ingênuo acreditar que o espectador compraria tal situação que o filme apresenta. Mas isso não chega a ser um problema quando o filme se mostra muito mais rico no que efetivamente revela, que é a relação social que temos com o ambiente dito erótico, e em como tais situações revelam tanto do ser humano, em recortes distintos. Quem observa Eros do ponto de vista erótico-sexual, inclusive, terá uma visão reducionista sobre seus conflitos, e o que é enfim proposto pela diretora. Ao encarar o campo social onde se desenrola a narrativa, o filme engrandece diante do que é sua moldura inicial. Em cena, os casais apresentados representam recortes de diferentes vozes mesmo em seus segmentos – até deixarmos de ver um casal. 

A riqueza da apresentação encampa discussões que saem do caráter sexual ao que se predestinaria o espaço em questão. A ideia de observar o ato sexual, sem pudores, não é a proposta estética principal ali; existe sim nudez frontal, assim como são realizados encontros sexuais. O que Eros busca, no entanto, é alguma ressignificação para uma geografia tratada de maneira única e exclusiva, e que se mostra muito mais psicológica do que estaria em pauta de cena. Porque existe uma ideia além do intercurso erótico em qualquer relação, e que pode servir a muitas indagações. O filme mergulha nas relações além do sexo, nos debates sociais, nas representações que parecem românticas e vão abrindo o olhar para o país e suas contradições. 

O documentário que se serve a um ponto, nesse sentido, acaba por explorar os limites da interferência em sua base de criação, e partindo daí conseguir um novo recorte para um formato. Ellis entregou câmeras nas mãos dos seus “atores”, e a partir daí criou uma linha de pensamentos e temas que seus personagens deveriam desenvolver. Isso é alteração de realidade, no qual a ação documental sofreria alguma deturpação? Sim e não. Assim como o ponto de partida, à obra isso importa menos, porque os resultados apresentados, absolutamente cinematográficos, é que compõem o painel que o filme precisa dar conta. Eros é uma obra onde os limites de gênero são testados em prol de uma ideia de cinema que não se diminui diante do que está em tela. 

O resultado é irregular, mas isso não é exatamente algo inesperado. O que se monta de Eros é um mosaico de encontros, onde temas como religião, depressão, práticas radicais, fidelidade, e tantos outros estão em debate, dividindo espaço com seus personagens que se mostram em sua maioria surpreendentes. Tanto na maneira como tais escolhas foram feitas, quanto no lugar que cada disposição é apresentada, são esquetes fechadas que montam esse quadro amplo que se presta a uma observação social. De maneira subjetiva, a cada espectador um momento distinto se fará mais interessante que o outro, mas no geral trata-se de uma ideia muito bem executada na função de elencar parâmetros sociais que são colocados em lugares esperados, para em seguida revirar nossas percepções e julgamentos. 

O que importa ao Cinema, no entanto, é a alquimia que a aparente ousadia de Ellis nos leva a absorver um comportamento ainda tabu, ao menos na ideia de uma discussão que vaze das quatro paredes – o pós-sexo, bem mais do que o ato em si. Eros não tenta nos convencer a respeito da idoneidade do que é apresentado na maneira como tais declarações foram conseguidas, porque seu caráter tem outro tipo de desbravamento intrínseco, que busca perceber a minúcia do real em meio a uma ficcionalização fake. Paralelamente a isso tudo, surge um filme corajoso do ponto de vista estético, e muito humano no que está mostrando e contando, que consegue desabrochar suas potências nas entrelinhas de cada momento. 

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