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Mariana Xavier fala de saúde mental, autocuidado e acolhimento

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Roubos de fios de cobre no cabeamento das telefônicas do Rio de Janeiro inutilizou múltiplas linhas de aparelhos fixos na cidade, a começar pelo subúrbio carioca, ilhando sobretudo as populações idosas que sublimavam as angústias num disque-disque contínuo, para parentes ou amigos, que lhes serviam de desafogamento. Essa dramaturgia da incompletude do mundo real – anestesiada no toque do invento patenteado por Alexander Graham Bell em 1876 – é o vetor de angústia que justifica a existência do Centro de Apoio aos Desesperados, ou apenas CAD. Tal serviço de acolhimento serve de mote para “Antes do Ano que Vem”, um “bloco do eu sozinho”, serelepe até dizer chega, montado por Mariana Xavier. Ela faz uma acurada reflexão sobre a dependência nossa de bugigangas eletrônicas que nos ligue a “amiguinhos”, ainda que virtualmente. 

Antes do Ano que Vem

Mariana Xavier faz um trabalho de maturidade no palco. É uma atriz que esgrima com o fio afiado do humor, nos palcos, desde a década de 1990. “Quer TC?”, encenado nas raias da Tijuca ali por 2006, já era um cartão de visitas para sua força cênica e um balão de ensaio para o estúdio midiático que a atriz faz agora. Não há como não lembrar de “Denise Está Chamando” (“Denise Calls Up”), pepita cinematográfica que rendeu menção honrosa do Festival de Cannes ao diretor Hal Salwen em 1995. Ele construía um corifeu de telefones para comentar os enguiços afetivos de sua protagonista. Solenemente esquecida, essa traquinagem de roteiro de Salwen foi um renovador de fórmulas do riso na seara indie do audiovisual 30 anos atrás… e fez escola.

Antes, em 1988, Whoopi Goldberg já havia testado algo parecido com “O Telefone”, um texto do cantor e compositor Harry Nilsson (do hit “Everybody’s Talkin'”) e do bicho-grilo e oráculo lisérgico Terry Southern que foi (bem) filmado pelo ator Rip Torn. Basicamente consistia-se de um parlatório cinéfilo, em que uma atriz em crise (Whoopi) corria atrás de caminhos para sua abilolada vida ligando para o mundo. 

Nos palcos mesmo, “Lotação Esgotada” (“Fully Committed”), de Becky Mode (encenada aqui por Moacyr Góes com Rodrigo Sant’Anna), já testara (com êxito) o dispositivo liga e desliga, com fones a sonar, resgatado por Mariana Xavier em texto de Gustavo Pinheiro. Aliás, o diferencial de seu “Antes do Ano Que Vem”, fora o ferramental quase cartunesco de expressões de sua protagonista (numa investigação dicunforça das cartilhas do humor), é a confecção de uma personagem central tridimensional que fica com a gente ao fim da (divertida) montagem e nos faz companhia na volta para casa: a faxineira Dizuíte. 

Mãe de duas crianças, sobrinha dedicada aos tios-problema, companheira fogosa do marido (a quem deu uma cueca vermelha novinha), ela foi batizada em referência ao verbete “dezoito” em francês, onde se lê dix-huit. De fato, na vida de arrumadeira, ela se vira em 18 para manter o CAD limpo, sobretudo na véspera do réveillon, que é quando “Antes Do Ano Que Vem” se passa, sob a direção (ligada no 220… ou seja… vívida) de Ana Paula Bouzas e Lázaro Ramos.         

 Antes do virar da 0h e do espocar de rolhas da cidra Cereser, ela se vê presa no trabalho, pois sua chefe não chega. No escritório, a moça se vê forçada a atender as chamadas de um povo (sempre mulheres) com adversidades afetivas. Suicídio, um dos temas recorrentes dos CVVs (Centros de Valorização da Vida), é assunto de uma mocinha que liga incomodada com uma traição. Pensa em beber um frasco de Leite de Rosas para dar cabo de seu existir. Além disso, tem ainda papo de ameaça de morte, papo de abandono crônico (com brigadeiro vegano) e cantilena de desemprego nas ligações daquele fim de tarde/noite. Dizuíte está com a cabeça parte em seus pimpolhos, que ainda não tomaram banho, e parte na ceroula estilo “cheguei!” do maridão. Apesar disso, por empatia, ela não pode deixar aquelas almas carentes sem um alô. Ali, quem telefona pede bis. A cada atendimento, aquela artesã da limpeza vivida por Mariana espana sua solidariedade e nos revela um pouco de si… e da mecânica autoral de Gustavo Pinheiro em seu olhar para pequenas cenas incongruentes do dia a dia (vide “A Tropa”) sob a ótica da redenção, do recomeço e, sobretudo, da aliança. Não tem trote. 

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