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Memórias de um Caracol, uma animação para adultos

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Uma das animações mais celebradas do ano passado, Memórias de um Caracol esteve em todas as listas do gênero, ganhou prêmios em Annecy (o maior festival de animação do mundo), foi indicado ao Oscar, teve o prestígio que poucos filmes em live-action conseguem ter. Desde antes de seu lançamento, era encarado como um produto diferenciado que deveria ser alvo de nossa análise futura, por conta da expectativa que girava em torno. O filme cumpriu as promessas que fez, e agradou boa parte de quem o assistiu, e embora esteja estreando um pouco fora do período que deveria aqui entre nós, sua popularidade escapou do cercado particular e o filme é um evento capaz de provocar interesse, um título prestigiado como qualquer outro. 

Adam Elliot, há 16 anos atrás, lançou um clássico da animação stop-motion: Mary & Max conquistou o seu público de cara, mas sua fama se estabeleceu com o passar dos anos. Hoje um filme cultuado, e muitos dos seus fãs estavam ansiosos para um novo trabalho; foi preciso todo esse tempo para que Memórias de um Caracol fosse enfim lançado. Existem muitos pontos em comum entre as obras, mas a maior delas talvez seja o senso de desamparo que une seus protagonistas. Ainda assim, entre os personagens título do filme de 2009 existia uma doçura na relação que era estabelecida, uma vontade de exprimir algo ainda esperançoso. Essa não é mais uma prerrogativa da nova produção, que passeia ao longo dos anos a observar a vida de uma jovem mulher deprimida. 

Do que era seu tratamento original, surge uma dinâmica narrativa que não pretende dar trégua ao espectador. Rapidamente, percebemos que a história de vida de Grace não poupa esforços em mostrar-se cada vez mais melancólica, e por vezes, existe uma escapatória na direção do melodrama – ou seria mais adequado encarar o que assistimos como um dramalhão irrecuperável? Os mais de 15 anos que separam seus dois longa metragens parecem ter retirado de Elliot a suavidade que impedia seu humor de mostrar-se cruel em demasia. O resultado é que Memórias de um Caracol não faz muitas concessões, e podemos dizer que o filme não é uma produção que sequer possa ser experimentada por crianças, o que vemos em cena esbarra muitas vezes na crueldade psicológica e em tortura emocional. Não há escapatória do que é feito aqui. 

Ao ser separada de seu irmão gêmeo, o piromaníaco Gilbert, o que já não era leve ainda acentua suas tintas, em momentos onde o cineasta parece perder a mão no controle da amargura. Ao travar contato com a idosa Pinky, Grace se sente enfim motivada para encontrar o grande amor de sua vida, seu irmão. Mas se você tentar encontrar uma saída para a mão pesada do diretor através de uma tristonha história de amor, aceitação e amizade, saiba que Memórias de um Caracol promete ao espectador contínuos plots que se surpreendem, e conseguem tornar o roteiro continuamente mais depressivo. Ainda que alguma beleza possa ser enxergada no que é proposto, a superfície que se comunica com o público é dessa natureza. 

Esteticamente, o filme é arrebatador. Com uma direção de arte complexa, e um jogo de direção que cria imagens muito criativas, Memórias de um Caracol é uma experiência fora do comum. Em contrapartida ao teor esmorecido que o filme busca e com as cores que contribuem para essa percepção geral, temos aqui um olhar minucioso para os detalhes. Isso embala a sessão quase por completo, se a forma escolhida para a absorção seja a do quadro de ação, abdicando da narrativa. Nesse sentido, o filme passaria a funcionar como uma espécie de ‘tableau vivant’, só que inserido em uma animação em massa de modelar, o que talvez permita a alcunha. O resultado é cheio das possibilidades para onde possamos acompanhar em cena, e que, para alguns espectadores, pode ser observado como uma porta para a fantasia. 

Diferente de outros quadros animados, em Memórias de um Caracol a realidade bate bem mais forte, e muitos problemas sociais verdadeiros dão as caras na produção. Nada disso é uma questão a priori, mas a maneira como o filme se deixa levar pelo teor do que está contando, desequilibra o resultado final. Até mesmo o universo LGBTQIAPN+ não escapa do comentário de Elliot, e a maneira como até esse olhar é carregado de tragédia, se situa como um exagero contornável. Ainda assim, é inegável como podemos nos transportar para as camadas que o filme apresenta, que não faz concessão para suas questões. É bom estar preparado para qualquer que seja a abordagem que mais lhe tocar, se o encontro com a vontade de viver ou se o peso inegociável de uma vida marcada por uma sucessão de perdas, sem retoque. 

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