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Oh, Canadá faz um retrato autorreflexivo de Paul Sharader

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O período de lua de mel cinéfila com Paul Schrader, que teria se construído com base em sua contínua excelência recente, tinha encontrado uma espécie de sinal amarelo com o seu filme anterior, Jardim dos Desejos. Após os formidáveis e aclamados Fé Corrompida O Contador de Cartas, o autor do roteiro de Taxi Driver teria voltado a um tempo menos brilhante. Oh, Canadá passou pela competição do Festival de Cannes sendo tratado como filho bastardo, algo menor e passível de achincalhe. Pois é lamentável que um filme com tanto a dizer tenha sido tratado dessa maneira, um retrato, na maior parte das vezes, melancólico a respeito da memória e de uma espécie de auto apagamento. Por trás da narrativa metalinguística, vaza sem apelo que tais motivações são muito mais alegóricas e referenciais do que costumam ser as obras cinematográficas, Schrader olha para si mesmo e aceita que não vê algo bom. 

Em contexto: Paul Schrader é uma pessoa polêmica. Nas redes sociais, costuma associar seu nome a declarações que muitas vezes soam problemáticas, e em outras tantas soam só atrasadas mesmo. Se a vida pessoal de um cineasta não deveria estar em voga na análise de seu filme, dessa vez uma pertinência precisa ser observada, diante do protagonista de Oh, Canadá. Trata-se do que hoje seria comum tratar como ‘homem tóxico’, desde a juventude, quando trocou de parceiras incontáveis vezes, sempre por motivos esdrúxulos que na cabeça dele pareciam de suma importância. Nos dias de hoje, o cineasta Leonard Fife é uma figura que gera pena por sua condição médica, sem escrúpulos ainda assim, o protagonista definha enquanto sua vida é contada por ele mesmo para um documentário. 

Continuamente, Oh, Canadá ressignifica cada nova cena em relação ao que é contado com regularidade pela narrativa. Seja pela metalinguagem que o filme encampa, dentro e fora da tela, ou seja pela forma como seu autor ironiza seu comportamento, puxando para si uma possível condenação coletiva. Em clima de vida real devassada, o filme é baseado em um romance escrito por Russell Banks, que aos poucos vai absorvendo a autoralidade desfocada da obra original. Dentro do jogo do filme, o que se insinua é ambíguo o suficiente para colocar o espectador em situação complexa. O que vemos aqui é puramente cinematográfico, e por isso mesmo que sua obra está sempre ampla em comunicação com o Cinema em sua encarnação mais recente, e aqui de maneira explícita. 

O trabalho de montagem de Benjamin Rodriguez Jr., seu colaborador recente, é mais uma vez um ponto alto da obra. Aqui, são intercalados não apenas alguns recortes de tempo distintos, como em vários deles mais de um ator representa o que está sendo contado. É como se Schrader estivesse dizendo o óbvio sobre o tempo, enquanto mestre soberano: as coisas são cíclicas e permanentemente giram. Nesse moto perpétuo, reconhecer os erros do período que for, e tentar dialogar com o que passou é uma forma de, ao menos, rever a própria falência e aceitá-la como parte integrante das coisas. É uma das muitas belezas de uma obra que parece mais sossegada do que de fato é. 

Ao longo de cinco décadas, acompanhamos a evolução de um artista e a involução de um homem, que encontra no reconhecimento da arte uma forma de expandir-se. Nada é suficiente, no entanto, e Oh, Canadá cumpre o papel de não entregar suas resoluções de maneira esperada. Não há tentativa sequer tentativa de perdão, Fife só deseja expurgar os danos, para que possa escapar da prisão que é lembrar. Mentes brilhantes são constantemente assombradas pelo que fizeram, pela ideia de poder elevar-se, não haverá espaço. Como o plano final esclarece, mesmo em meio a descoberta da paz e da beleza, tal evento não extingue o que foi cometido. É mais um momento de sublimação em meio ao horror que se promove. 

O trabalho de Richard Gere merece um comentário à parte. Por anos a fio, o ator de Chicago (o ponto mais alto de sua carreira até aqui) foi tratado como cidadão de segunda classe dentro de Hollywood, que via suas ferramentas como insuficientes. Gere reencontra o diretor que o projetou há 45 anos atrás, em Gigolô Americano; isso não é obra do acaso. Schrader o escalou em Oh, Canadá para mostrar que todo invólucro é vazio, a partir de determinado momento. O problema de Fife é que o interior guardava talento, e pavor, Gere encontra o tom mais que exato para exprimir sua última tentativa de elevar-se enquanto homem. A grandeza desse homem, Fife, foi sobreviver à sua grandeza de maneira suficiente a ponto de enxergar todo o horror inerente a quem ele foi. Mera coincidência? 

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