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Hot Milk discute os limites nas relações femininas

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Sofia está na costa espanhola com sua mãe, que sofre de uma degeneração delicada na movimentação dos membros inferiores. Britânicas, estão ali porque tentam uma alternativa de tratamento com um respeitado especialista, que possa identificar suas questões e conseguir respostas para a misteriosa condição. Parte dessa premissa é o roteiro de Hot Milk, a estreia na direção da roteirista Rebecca Lenkiewicz, que não tem medo do lugar comum. Para a autora, esse é um ponto de partida que pode render uma história corajosa que discute os limites nas relações femininas, onde certos códigos não são exercidos no benefício de tantas mulheres por outras mulheres. O resultado é, surpreendentemente, uma observação sobre contínuo desgaste e feridas emocionais impossíveis de esquecer. 

Assim como a outra estreia feminina estrangeira da semana (Jovens Amantes), Hot Milk não tem interesse em fazer surgir uma supernova no cinema mundial. Talvez o que esse filme queira seja ainda mais difícil do que realizar uma obra original e marcante, mas exatamente transformar a matéria-prima que tem em mãos em uma forma de comunicação sensorial. Mais do que as ações realizadas em cena, o filme parece interessar-se pelas reações de suas personagens, com centralização em sua protagonista, vivida por Emma Mackey (de Emily). É esse jogo de fina observação e os desdobramentos diante de uma mulher que tenta se libertar da História que constituem esse bonito desabrochar de um feminino que não precisa da resiliência para mostrar seu valor. 

Diante de um circuito cinematográfico muitas vezes desgastado em sua tentativa de criar algo, algo como Hot Milk parte de uma premissa simples (até simplória, de alcance ou representação) mas se vale de um processo de imersão no que conta. Passado em uma zona litorânea, o filme consegue exibir suas formas de controle cênico no pouco que é apresentado de novo. Passa então de uma comunicação descalibrada com os conceitos do feminino, para ler uma lógica absolutamente nova de tais códigos. Não há qualquer motivo para que suas intenções estejam em processo de ressignificação; isso é feito pelo brilhante elenco, e pela maneira tátil que os caminhos avançam em cena. 

A chegada em cena de uma personagem libertária torna o caminho de Sofia ainda mais insuportável, mas exatamente por isso sua própria ideia de libertação torna-se irrevogável. Como imaginado, porém, existe um preço a ser pago pelos excessos, e Hot Milk mostra ainda no campo da sensorialidade que tais sentimentos não apagam a verdadeira vocação de alguns indivíduos. Lenkiewicz não julga suas protagonistas em nenhum momento, mas trata de filmar seus erros e acertos com o mesmo vigor. Portanto, a identificação do espectador tende a observar quadros mutantes dentro do que é mostrado; o que parece justo em determinado momento, é capaz de provocar irritação no tempo seguinte. 

O que não se pode falar de Hot Milk é que sua autora não tenha dotado quem está em cena de características fortes e críveis. A relação entre mãe e filha no centro dos acontecimentos é identificável em sua ausência de compreensão, são duas mulheres em pontos distintos da vida, onde a amargura de uma começa a surtir efeito na outra. O jogo que Mackey e a veterana Fiona Shaw apresentam em cena é sofisticado no que o corpo e a expressão delas têm a dizer. Identificamos um afeto genuíno que tenta avançar sobre a mágoa, mas o filme deixa claro que aquela relação já se rompeu, e que as chances de cura físicas estão mais próximas que as de fundo psicológico. 

Além das protagonistas, a personagem vivida pela excelente Vicky Krieps (Trama Fantasma), que carece de um olhar menos horizontal do roteiro, também é um polo que concentra energia em Hot Milk. Pena que sua construção não seja tão acertada quanto as de suas parceiras de cena, ainda que a atriz brilhe. O que está em jogo na estreia da diretora, no entanto, é da área do metafórico, no jogo que é estabelecido na culpa pelo que também sente e que precisa ser expurgado (as águas-vivas, constantes em suas aparições). Além disso, a própria imagem de uma liberdade cujo preço é o abandono ou a morte espiritual é suficientemente intrigante e corajosa, para que o filme acabe por se mostrar menos engessado do que sua sinopse poderia sugerir. 

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