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Monsieur Aznavour: Uma cinebiografia Charles Aznavour

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O circuito não demora muito a receber novas cinebiografias, porque são, em tese, um produto que o mercado abraça com certa facilidade. O público adulto aprova e, na maior parte dos casos, se interessa pelos aspectos biográficos de figuras reais, que passeiam pela curiosidade generalizada, os resultados de bilheterias são atraentes para projetos com garantias de interesse; as premiações não dificilmente se deixam levar pelo aparente desafio de encontrar dificuldade em reproduções coletivas. Dois meses após as figuras de Ney Matogrosso (Homem com H) e Salvador Dali (Daaaaaalí!) animarem as telonas, chega a vez de um dos maiores cantores da História da Música entrar em cartaz: Charles Aznavour, ou melhor, Monsieur Aznavour

Um dos mais populares cantores franceses de todos os tempos, responsável por quase 200 milhões de discos vendidos, Charles Aznavour é uma figura tão emblemática para a música francesa, que é complexo que seu nome chegue a um trabalho cinematográfico que possa ser ignorado pelo jovem brasileiro. Imaginem algo parecido com Roberto Carlos falando em francês, e talvez se imagine o alcance e o tamanho de seu nome. Talvez infelizmente ele hoje esteja menos reverberado do que merecia, mas ao menos a sua voz por trás da interpretação definitiva de ‘She’ seja suficiente para fazer o espectador de menos de 30 anos se integrar na jornada de seu autor e intérprete. Como grande parte das biografias, no entanto, Monsieur Aznavour é feito de belos momentos, intercalado por uma grande parte de burocracia. 

Quem vos escreve, no entanto, foi criado às audições de muito Aznavour, um ídolo que acompanhei desde pequeno. Então sua origem armênia oficialmente, e o modo como um estrangeiro acabou por encampar os valores e tradições de uma pátria, são mais conhecidos previamente por mim. Ainda assim, não deixa de ser triste e pesaroso que grande parte da história de sua formação esteja varrida para as entrelinhas de uma apresentação pouco conclusiva, que nos faria mais capazes de compreender tantas contradições de seu protagonista. Sua relação com as origens, com o desenrolar da Segunda Guerra Mundial e as conexões familiares que o norteiam, parecem vagas e tiram do personagem-título não apenas detalhamento, mas uma base para o que ele acaba por se tornar. 

Monsieur Aznavour é dirigido por uma dupla improvável, formada por Mehdi Idir (de Efeito Pigmalião) e o poeta, compositor e cantor Grand Corps Malade, que teve inúmeros vídeos dirigidos por Idir. Graças a essa união improvável, esteticamente existe uma unidade na produção, e algumas apresentações musicais tem destaque verdadeiro dentro da encenação. O primeiro grande show de Aznavour, que ele teria considerado uma pedra fundamental para continuar a perseguir seu sonho, tem uma marcação de mise-en-scène quase milagrosa, um daqueles momentos onde não conseguimos compreender o corte, a movimentação de câmera e a localização geral, cuja sintonia beira o espanto. Esse não é o único momento onde a direção brilha, mas no geral o filme precisa seguir um roteiro que opta pela fórmula e pela tradicional ‘descrição de momentos’, sem grande aperfeiçoamento dramático. 

Outro responsável pela elevação do que se vê, e não teria como ser diferente, é Tahar Rahim, um dos intérpretes mais fascinantes da atualidade, e um nome quase óbvio para o protagonismo. Rahim é um francês de origem argelina, que encara uma maquiagem que realiza outra espécie de milagre: ao mesmo tempo em que o transforma em Aznavour, não o deixa perder suas feições originais, dando-lhe o manancial necessário para a própria imersão e a do espectador. O resultado não gera exatamente uma grande performance (embora o seja), mas acima disso, uma aura de encantamento no corpo e no rosto de um ator que está submerso na pele de alguém, e que acaba também por travestir sua dor, sua incômoda condição de incompletude e sua carência profissional e afetiva impossíveis de aplacar. 

Não é pouco o que se deve ser cobrado de uma produção cinematográfica para que ela alcance alguns pontos básicos em uma escala natural. O que sobra em uma fita como Monsieur Aznavour, por exemplo, é um excesso de carisma que suplanta alguns problemas bastante perceptíveis. De construção dramática rala, o filme está inserido em todas as questões e ausências que corrompem 8 entre 10 biografias: falta de aprofundamento temporal, carência de arcos coletivos, cegueira emocional. Mas com momentos que saltam aos olhos, e um ator/personagem que nos desafia a ousadia de odiá-lo, o filme quase consegue equilibrar com paixão seus defeitos. Vale a pena ir ao cinema para tentar sublimar o que não está lá, e deixar-se levar pelos méritos. 

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