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Quarteto Fantástico: Primeiros Passos é um espetáculo vintage e vivo

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Sempre que o Homem-Aranha tem um problema sério que não envolve seus rivais de praxe (o Duende Verde, o Dr. Octopus e até o vergonhoso Pete-Pote-de-Pasta), mas, sim, manifestações que a IUPAC (União Internacional de Química Pura e Aplicada) não sabe decifrar, é na porta de Reed Richards que ele bate. Bruce Banner, aka Incrível Hulk, já foi até Reed também, chorar as pitangas de suas mágoas com os raios Gama. Até os Vingadores já foram bater cabeça pro inventor, nerdola nas manhas da Física e sobretudo da Robótica que, agora, em 2025, carimba o passaporte de Pedro Pascal, em Quarteto Fantástico: Primeiros Passos em mais um selo de Disney. É ele quem vive o Sr. Fantástico, e o faz bem como ninguém fez. 

Reed estica. Uma viagem pelas estrelas fez dele uma borracha humana. Até o Homem-Elástico com ares de Oscarito da DC Comics, que tinha desenho animado na Rede Manchete nos anos 1980, respeitaria a extensão que o grisalho Richard, enquadrado na categoria de DILF (sigla erótica que não deve ser revelada nesse horário), consegue alcançar ao expandir seu esqueleto na luta contra o Mal. Sua inteligência se estende ainda mais… quase tanto quanto seu coração, que acolhe quem precisa. Daí o prestígio de que ele desfruta no Panteão da Marvel. 

Matt Shakman, diretor de seriados e minisséries que fez de “Dr. House” a “Game of Thrones”, entendeu esse perfil paternal do cientista criado por Stan Lee (1922-2018) e Jack Kirby (1917-1994), nas HQs, em 1961. Orientou Pascal nessa linha, ciente de que o astro é, hoje, um ídolo, sobretudo depois da febre “The Last Of Us”. 

Em Quarteto Fantástico: Primeiros Passos, o Reed que chega às telas é aquele “amante à moda antiga” das canções do Roberto Carlos e é, ao mesmo tempo, o pai cantado no cancioneiro breganejo, de Nelson Gonçalves a Fábio Jr. Sabe o “esse cara sou eu”, que o Rei gravou? É o Reed. 

Ele é um marido apaixonado. É o amigo que está do seu lado em qualquer caminhada. É o cunhado que orienta. É o paizão que rastreia os caminhos por onde o filho, Franklin, vai passar. Ele é aquele sujeito que alguma sogra ou algum sogro seu, na maldade, definiu como “o tipo de homem que não se faz mais”. Ele é assim, raiz… ao mesmo tempo que se alinha às pautas antissexistas da atualidade… porque Quarteto Fantástico: Primeiros Passos abraça uma essência vintage. Aliás, a aparência é vintage também. Parece “O Show da Lucy” misturado com um episódio de “Os Jetsons”. 

A evocação de “I Love Lucy” e da genial Lucille Ball (1911-1989) é necessária sobretudo diante do que Vanessa Kirby (em impecável atuação) faz no papel de Sue Storm. Chamam-na de Mulher Invisível, uma vez que ela… fica invisível. Só que seus dons decorrentes de uma exposição a raios cósmicos, numa expedição estelar, vão muito além disso. Para muito marvete,  ela é “A” heroína da dramaturgia bolada por Stan Lee a partir da década de 1960, sobretudo pelos campos de força translúcidos que cria. Vanessa sacou isso.

Além disso, a maior virtude de Sue é seu empoderamento. E ele já vem desde os tempos em que os jovens amavam os Beatles e os Rolling Stones. Se você cruzar com o álbum “Marvel Essenciais: 1234”, que a editora Panini Comics está vendendo, vai se deparar com ela a ser cortejada pelo Príncipe Submarino Namor. Quando Reed vacilou e deu bobeira, o gavião da Atlântida foi lá ciscar e tomou um “Não é não!” na cara. 

Sue foi um signo do feminismo nos quadrinhos, traduzindo o espírito inclusivo de Stan e Kirby em sintonizar as HQs com as discussões da contemporaneidade – e isso, lá nos idos de 61. O instinto maternal dela é forte, assim como sua sororidade, expressa na conexão com heroínas distintas. Ela é, também, a irmã de todas as horas e a amiga pra qualquer roubada. Entra no filme de Shakman como um laço com pleitos urgentes das lutas das mulheres (de hoje e de sempre) e lança mão de P.As. e P.Gs. que a matemática de Reed não contempla no uso de seus superpoderes, assegurando descargas de adrenalina a “Primeiros Passos”.

O que se fala dela deve ser aplicado à Surfista Prateada, Shalla-Bal, figura que gerou grita de fãs mais radicais, uma vez que, nas revisitinhas, o ás do surfe é um rapaz, o astrônomo Norrin Radd, que, nos filmes do Quarteto dos anos 2000, tinha o vozeirão de Laurence Fishburne. Não compre essa treta. É Julia Garner quem vive essa criatura das estrelas agora. Carisma nem de longe é o forte dessa atriz, mas sua competência resolve o problema, e entrega a potência de que o longa necessita. 

É a Surfista que traz para a Terra o leviatã chamado Galactus. Não vale chama-lo de vilão. Ele é uma entidade. Uma espécie de força mística cujo papel no cosmos é destroçar os planetas que chegaram a um prazo de validade, por entropia geológica ou por decadência de sua população. Daí ele assumir o rótulo de Devorador de Mundos. Ele come (ou seja, antecipa processos de entropia) alvos que sua arauta busca. A Terra é um deles. 

Isso dá a “Primeiros Passos” uma aura de filme catástrofe, com o “O Dia Depois De Amanhã” (2004) ou “Inferno na Torre” (1974). Essa aura é mais forte do que a vertente clássica de luta contra o Mal dos longas de vigilantes uniformizados. Apesar disso, tem ação a rodo, com muros derrubados pelo Coisa, o amigão de Reed e Sue que Ebon Moss-Bachrach compõe nas raias da vulnerabilidade, a transpirar carência – menos quando grita “Está na hora do pau!”. Cada sequência dele com Natasha Lyonne é de suspirar.

Igualmente delicada é a composição do Tocha Humana, Johnny Storm (o mano caçula de Sue), feita por Joseph Quinn. Ele incendeia a concorrência e rouba cada segundo que aparece para si. Encontra nuanças que seu personagem só teve quando o quadrinista John Byrne escreveu e desenhou o Quarteto, de julho de 1981 a outubro de 1986, entre os números 232 e 295 das edições mensais de “Fantastic Four” – lançadas aqui pela Ed. Abril e relançadas pela Panini. 

A fase Byrne, em que Reed foi a julgamento por ter salvo Galactus, parece ganhar vida na forma como Shakman dialoga com a argamassa (plástica) das narrativas gráficas em seu belo filme. Ao mesmo tempo em que conversa com a pintura de Norman Rockwell (1894-1978), a produção se reporta ao colorido quadrinizado da Marvel em sua direção de arte. O álbum “Parábola”, de Stan Lee e Moebius (1938-2012), chega a ser citado explicitamente. 

A fotografia de Jess Hall também aposta numa paleta cromática que lembra os almanaques do passado, com especial investimento na cor azul, usada nos uniformes do Quarteto. É uma prova de que temos um espetáculo de sinestesia, com um elenco em estado de graça. 

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