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A Prisioneira De Bordeaux: Isabelle Huppert encarna personagem próximo da realidade

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Isabelle Huppert é uma das maiores atrizes do nosso tempo, essa é uma afirmação que poucas pessoas refutariam. Mesmo com um histórico invejável, interpretações acima de qualquer suspeita, existe um recorte de personagem que geralmente é oferecido a ela. São mulheres poderosas, emocionalmente ambíguas, que vivem à margem das próprias emoções represadas. Na produção que estreia nos cinemas essa semana, A Prisioneira de Bordeaux, essas características sofrem um revés através dessa personagem menos interiorizada, talvez mais exposta e propensa ao diálogo. É bem-vindo que uma atriz que constantemente nos vende uma ideia de corpo inatingível, conseguir adentrar alguma fragilidade graças ao convite para despir-se de um lugar já esperado. 

Trata-se de uma acomodação das seleções de elenco, que buscam Huppert para esse lugar gélido. A Prisioneira de Bordeaux mostra a atriz em uma relação de proximidade com alguém que estaria em lugar andar diametralmente oposto ao dela na pirâmide social, embora estejam ambas em situação de igualdade. O que é realçado pelo roteiro é esse laço de amizade improvável que nasce do limite da situação enfrentada, uma relação construída com base na necessidade mútua de comunicação e amparo emocional. Aos poucos, o que deveria ser uma troca de favores, acaba se consolidando como uma maneira pouco convencional de buscar sentido em um mundo que não as responde. 

Toda essa construção é obtida com a delicadeza que Patricia Mazuy exibe há alguns longas muito celebrados, como Paul Sanchez Está de Volta Boliche Saturno, duas investigações do cinema de gênero. Em seu mais novo filme, Mazuy está interessada em explorar caminhos para o melodrama, com a certeza de que está moldando uma peça antes não utilizada. Suas predileções narrativas não exibiam antes um molde tão estabelecido dentro do cânone como algo elevado, e sim seu olhar minucioso por dentro do que é considerado menor. Quando ela se esgueira por A Prisioneira de Bordeaux, revelando um olhar sobre personagens pouco explorados na centralidade dos roteiros, conferindo humanidade a mulheres que antes foram colocadas em segundo plano, sua intenção já é a de modificar o que entendemos. 

Não é um tratamento comum dado ao roteiro, ou ao melodrama como um todo, mas justamente existe um interesse em subverter o que conhecemos dentro desse recorte. Porque existe uma questão a respeito da sororidade que vai além do que, no passado, incluíam filmes como Imitação da Vida, por exemplo. A Prisioneira de Bordeaux é uma produção que iguala suas protagonistas, tornando suas narrativas parte integrante de uma mesma esfera de eventos, sem distinção social ou étnica. Essa discussão existe, na própria origem de suas atrizes, mas o filme tem interesse em abrir as diferenças para eliminá-las, tornando o discurso uniforme. É uma posição que amplia o olhar sem precisar explicitar o que é mostrado – está tudo naturalizado pelo que é escolhido mostrar, contar ou desenvolver. 

Em cena, Huppert e sua companheira de cena Hafsia Herzi (premiada por Borgo O Segredo do Grão) se dividem em sintonia afinada. São atrizes opostas em quase tudo, gerações distintas e perfil de intérprete bastante diferentes, o que as habilita a essa dicotomia de personagens. Isso também é o que molda A Prisioneira de Bordeaux na direção do sucesso, porque opõe suas das personagens centrais, sem a necessidade de criar rivalidade entre elas. Pelo contrário, cava uma espécie de aproximação diante de tanto afastamento narrativo, através de uma identificação que se naturaliza na frente das câmeras. É a situação que se transforma em uma progressão bastante eficiente, e que mostra que, diferente do que poderíamos supor, não diminui as características de Mazuy enquanto autora. 

O que vai se desenhando, bem aos poucos, é o interesse escondido por trás das relações sociais, e pessoais. As personagens se identificam e elaboram um projeto de amizade, mas também passeia por elas uma dúvida constante: o quanto o que vemos é puro, desprovido de intenções escusas? Duas mulheres que se apoiam, e que se encontram em um lugar semelhante, mas que não são a mesma pessoa; por isso, talvez o olhar entre elas esteja permanente no desconhecido. O que A Prisioneira de Bordeaux demora a nos revelar é que Patricia Mazuy é uma esteta da revelação, da descoberta, do mistério. Quando nada disso está frontal na obra, ela transmuta seus personagens e os desdobramentos de suas pulsões, daí o fascínio. 

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