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Gabriel Mascaro faz um estudo geográfico a respeito de uma ideia de país, em O Último Azul

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Teresa vive em um Brasil distante do nosso, desgarrado em um tempo que reflete o nosso tratamento aos idosos do hoje real: longe dos olhos, encerrados em um ambiente tratado como A Colônia, a partir dos 70 anos cada brasileiro precisa ser levado para esse lugar. Não há escolha, não há vontade própria, não há liberdade. Muito rapidamente, percebemos o que Gabriel Mascaro pretende com O Último Azul, é refletir sobre a contemporaneidade que isola e renega quem alcançou certa idade, ainda que o indivíduo seja produtivo economicamente. Porque existe algo além de uma possível reverência e mesmo de um respeito acerca de quem ainda não chegou lá; essencialmente, existe medo. Do futuro (próprio) e da História (alheia). 

Mascaro é, certamente, um dos muitos expoentes do nosso cinema atual que já conta com uma carreira estabelecida, e ainda assim carrega um futuro possível diante de sua juventude escancarada. São 8 longas metragens que compõem um painel de estudo geográfico a respeito de uma ideia de país, com suas inúmeras discussões, contradições, enigmas e injustiças. Aos poucos, Mascaro foi adotando uma nova camada ao olhar, que nasce do naturalismo – até pelo seu surgimento no formato documental – em sua obra para adotar as implicações do fantástico em uma fricção de confronto com o nosso presente. Foi assim em Divino Amor, e essa proposição é sofisticada com a chegada de O Último Azul, que conserva sim algum amargor nas suas implicações narrativas, mas que já se configura aqui como uma nova fagulha de evolução. 

Essa colocação futurista, tanto no gráfico quanto no narrativo, criam uma força ostensiva no que vemos, e a tentativa de parecer orgânico no trabalho, como um todo, eventualmente não se mostra alcançado. Assim como no projeto anterior, o cineasta precisa ter uma base para a discussão efetiva do seu entorno, então não há como negar a necessidade do que é visto, sejam pichações nas paredes (o velho), ou materiais futuristas como telões de LED (o novo). Só que tais inserções se comportam de maneira intrusiva, e carregam o espectador para fora do que deveria interessar ao seu roteiro, que é a conexão entre os personagens e suas relações. A partir do momento onde a protagonista inicia sua jornada física, O Último Azul alça voo. 

Porque é a partir desse momento que o filme encerra sua obrigatoriedade narrativa para se concentrar no que Mascaro tem de melhor, que está impresso nos créditos da produção. A capacidade de submergir a construção de suas obras no híbrido entre a sensorialidade intocável e o processo que envolve os corpos filmados diante do que é palpável; a natureza, o espaço gráfico, o plano. Quando Teresa dispara rumo ao anterior amazônico, e a partir do encontro que ela passa a travar com cada um dos personagens que a cruzam, O Último Azul mostra tudo o que vinha sendo aventado no contexto prático, para mergulhar em uma atmosfera que abdica de excessos. Não existem mais certezas, e sim as tentativas de encontrar um sentido no que parece não ter.

É da natureza desses encontros que nasce o Cinema de Gabriel Mascaro, que vai em seus melhores momentos sempre abraçar a complexificação entre as relações humanas, por mais simples que pareçam ser. Teresa, uma interpretação delicada da imensa Denise Weinberg (que nos surpreende nos cinemas pelo menos desde Salve Geral, mas que é premiada no teatro há 40 anos), é a força-motriz de O Último Azul, então embora seus encontros promovam intersecção em mais alguém além dela, é com sua jornada que a narrativa se importa. Então parte da sua mutação na interação com cada um, de cada encontro, de cada afeto formado, de cada perda pelo caminho, que o arsenal de sensibilidade de Mascaro se mostra. Quando se concentra no tátil do sonho que não se consegue alcançar, que nem se sabe qual é, na quimera do que ainda será descoberto, o filme agiganta-se. 

A fotografia de Guillermo Garza é um convite que o espectador aceita da maneira exata como o filme se comporta. Ao começar a travessia de barco rio acima, O Último Azul e sua protagonista levam cada um na sala de cinema a embarcar nessa jornada cuja lisergia é física, mas é principalmente emocional. O trabalho conjunto de Mascaro e Garza nos transportam para um mundo que, ora convoca a liberdade de sonhar e amar, ora nos aprisiona em um pesadelo inesperado. Sem trazer spoiler do concreto descoberto por Teresa, estamos diante de um filme cuja descoberta do próprio corpo é tão importante quanto a do espaço geográfico em que vivemos. Tudo é caminho, onde o futuro é muito mais infinito do que podemos imaginar. 

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