- Publicidade -

‘República Lee’ é uma vitrola de luxo, com o repertório de um elenco inspirado

Publicado em:

Desculpe o auê que a gente possa fazer acerca das destrezas de “República Lee”. Este texto não queria magoar a inércia que por vezes abate a arte assim, sem luxo, nem lixo. Só que é bonito quando uma trupe aposta na ousadia, sobretudo num filão com tosse seca de tão cansado, quanto o musical. Pois não é que a comédia não-biográfica idealizada por Cella Bártholo nos dá um sacode. Sua cenografia, dionisíaca até a medula, já nos ganha de cara.  

Santa padroeira da rebeldia nossa de todo dia, Rita Lee (1947-2023) não entra como cerne temático deste jukeboxcom texto (impecável) e direção de Tauã Delmiro. Ela é costura sonora, e bênção. Cada viradinha da trama, que pode ser levada às telas num estalar de esforços, parte das letras cantadas pela andorinha roqueira que voou dos Mutantes num rasante da MPB.

Os arranjos de Hugo Kerth, diretor musical do projeto, redefinem a força melódica de hits como “Agora Só Falta Você”, “Alô, alô, Marciano” e “Mutante”, em meio a uma trama cheia de reviravoltas sobre os anos em que o Brasil foi assombro por fardas cor verde oliva. “República Lee” é, surpreendentemente, uma recriação nervosa (mas prospectiva) do calvário que os Anos de Chumbo impuseram ao país.

Cella, Kerth e Tauã estão em cena, ao lado de Caio Nery e de uma esplendorosa Ingrid Klug, numa trama que volta no Tempo, até o fim da década de 1960, no rastro de cinco jovens, moradores de uma república na cidade de São Paulo (tem uma barata lá também). O elenco em peso se reveza no papel desse inseto, numa digressão kafkiana da dramaturgia. 

Bicho escroto não é a tala cucaracha, com anteninhas ligadas no futuro do Brasil. Escroto é o AI-5. Escota é a censura. Escrotos são os “sumiços” de gente que diz não ao regime. A gente viu isso em “Ainda Estou Aqui”. O mundo viu e nos deu um Oscar por isso. A peça segue nesse encalço, ciente de que ainda há muito a ser dito (ou cantado). 

Canta-se pacas, e bem, em “República Lee” a partir da chegada de uma moça grávida, que tem acesso a uma câmera boa, nos tempos do cinema analógico, facilita os planos desse coletivo em fazer um filme. Cada fotograma dele trará um “proibido proibir” a 24 quadros por segundo. As filmagens certamente vão embolar meios e campos, amores e mágoas.

Danilo, gigolô profissional interpretado por Tauã, é a antítese do “bichogrilismo” da década de 1960. Seu lema não é “faça amor, não faça guerra”, mas, sim, “faça amor e me dá um troco”. Só que há um ethos singular nele, de companheirismo, tipo “ninguém larga a mão de ninguém”, a partir do qual o personagem se agiganta. 

A beleza do espetáculo, amparado num maduríssimo trânsito entre palco e projeção de vídeo, é a dilatação das riquezas que cada personagem tem, com suas singularidades. O hermano Darín (confiado Kerth), um argentino desterritorializado, é um poço de contradições, assim como a Jullie (interpretada por Cella) é um oceano de esperanças e provires. 

Caio (encarnado por Caio Nery) desfila aparentes inseguranças, mas é rocha das mais sólidas em sua utopia. Já Sarah, aspirante a estrela que coleciona papéis perdidos, garante à atuação de Klug deixas para nos fazer gargalhar. Ela cria uma figura sem noção, mas que, apesar disso, não veio à vida a passeio.  

Plasticamente, os (inspirados) figurinos de Vinicius Aguiar dão um toque almodovariano a esse “Barrados no Baile” meets “O Que É Isso, Companheiro?”, que gruda nas retinas pelo empenho de suas atrizes e atores.  

Saiba mãos sobre a peça!

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
4.310 Seguidores
Seguir
- Publicidade -